Retrato é feito num estudo que fala em corrupção. Amigos e familiares passam à frente nas listas de espera. E médicos que encaminham doentes para os seus laboratórios privados.
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Um estudo feito nos últimos dois anos e promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) concluiu que o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, está dominado por interesses pessoais e pela "pequena corrupção".
A situação já foi, contudo, mais grave. A investigação "Valores, Qualidade Institucional e Desenvolvimento em Portugal" avaliou o funcionamento de seis entidades (Autoridade Tributária; EDP; ASAE; CTT; Bolsa de Valores; e Santa Maria) e concluiu que, ao nível da corrupção, a situação é particularmente preocupante naquele hospital público.
O relatório, a que a TSF teve acesso, diz mesmo que "há dez anos a situação estava fora de controlo, não havendo registos de utilização do equipamento e verificando-se roubos regulares, por parte de médicos e de outro pessoal, que se serviam a seu bel-prazer dos armazéns do hospital para fornecer as suas clínicas privadas".
O estudo sobre o hospital Santa Maria foi feito por Sónia Pires, doutorada pelo Instituto Universitário Europeu, e baseou-se em mais de 30 entrevistas. Concluiu-se ainda que, há dez anos, "as condições deterioraram-se a um ponto que se ponderou o fecho do hospital". "O nível de corrupção era tal que o novo presidente do hospital e a sua família tiveram várias ameaças de morte, passando a ser acompanhados por escolta policial durante algum tempo".
A investigação diz que apesar do anterior retrato negro, "atualmente as condições melhoraram e as situações de grande corrupção são coisa do passado". No entanto, há "pequenos atos" que são "prática comum". Por exemplo, "troca de favores" em que "se passa à frente, nas listas de espera, amigos e familiares"; ou casos em que o médico assistente "canaliza os pacientes que têm de fazer análises para laboratórios privados dos quais é sócio".
O estudo sobre o Santa Maria diz que "a corrupção de pequena escala permeia a instituição no seu todo", uma realidade que se deve, em grande parte, ao facto de interesses públicos e privados se entrecruzarem dentro do hospital e à presença de forças externas, políticas e até religiosas". O trabalho cita mesmo influências da Maçonaria, da Opus Dei e dos partidos políticos, numa "proliferação, dentro da organização, de pequenos 'territórios [poderes], criados por diversos grupos de interesses".
Para além das entrevistas (anónimas) feitas a mais de 30 atuais e antigos funcionários e dirigentes do hospital, 231 funcionários responderam a um inquérito promovido pelos autores do estudo. Nenhum concordou com a frase que dizia que "a maioria dos colaboradores do Santa Maria é imune ao suborno ou à corrupção".
Em declarações à TSF, a autora da investigação, Sónia Pires admite que este inquérito parece confirmar que os funcionários também sentem corrupção no dia-a-dia do hospital. A autora defende, contudo, que ocorreu uma melhoria nos últimos anos, apesar de continuar a existir uma "captura por interesses particulares" que "não foi ativamente combatida".
Sónia Pires sublinha ainda que o setor da saúde é um daqueles onde é mais fácil existir a chamada pequena corrupção. Um exemplo é "passar o amigo à frente nas listas de espera", algo que, segundo a investigadora, é "socialmente aceite em Portugal".
A administração do Hospital de Santa Maria não comenta para já este relatório. Fonte da unidade hospitalar disse à TSF que não o conhece, uma vez que o mesmo só será apresentado amanhã, quinta-feira.