Nome maior da História do Jazz, Miles Davis tem neste filme (realizado e protagonizado no papel principal por Don Cheadle) o retrato duma parte da vida onde fantasmas e solidão andaram de mãos dadas.
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O subtítulo "A Arte como Salvação" não faz parte do título do filme, mas tem tudo a ver com o argumento. Como poderemos perceber mais para a frente.
Actor, realizador e co-autor do argumento (de parceria com Steven Baigelman), Don Cheadle entra no barco deste filme mesmo antes do saber. E a história é esta: quando Miles Davis passou a fazer parte do Rock and Roll Hall Of Fame, a 13 de Março de 2006, um sobrinho do trompetista (falecido em 1991 com 65 anos) afirmou que iria ser feito um filme sobre Miles e que Don Cheadle seria o protagonista, sendo o convite feito posteriormente a esta afirmação.
Consumidor apaixonado da obra de Miles Davis desde criança, Cheadle aceitou de imediato o desafio e partiu para a pesquisa que seria a base do argumento do filme. Uma pesquisa trabalhosa mas gratificante para quem era fascinado pelo trabalho de Miles. Durante o convívio com a família Davis, Don Cheadle ouviu tesouros nunca editados e acabou por tomar contacto com factos que agora, em "Miles Ahead", são trazidos a público. Paralelamente, teve de aprender a tocar trompete para vestir na perfeição a pele de Miles Davis. E não se pode dizer que para Cheadle este papel tenha sido fácil, mesmo depois do profundo mergulho feito na vida do trompetista. Um misto de auto-intimidação e o assumir daquilo que considerou ser uma enorme responsabilidade, fez com que Don Cheadle fosse profundamente criativo (à imagem de Miles Davis).
Numa sinopse muito breve, "Miles Ahead" leva-nos até finais da década de setenta do século XX, a uma altura em que, após um casamento falhado com uma talentosa e belíssima bailarina (Frances Taylor, interpretada por Emayatzy Corinealdi), Miles se torna -durante cinco anos - num eremita, mergulhado na solidão, nas drogas e nos medicamentos. Era Miles Davis, as suas circunstâncias e um exército de fantasmas a atormentarem-lhe a razão. E se é verdade que o jornalismo é capaz do melhor e do pior, no caso de Miles Davis, em "Miles Ahead", é um jornalista da revista Rolling Stone (Dave Braden, protagonizado por Ewan McGregor) que consegue tirá-lo do torpor e da beira do abismo, quando convence o trompetista a partir para a descoberta de uma das últimas peças compostas antes do descalabro emocional e que, entretanto, lhe tinha sido roubada. E é aqui que entra o tal subtítulo que não faz parte do filme - "A Arte como Salvação" - já que, na acção do filme, Miles Davis se apercebe que só pode encontrar a Salvação e o renascer para a vida e para a música, através da sua Arte.
Embora tenha tentado ser fiel ao que nos mostra "Miles Ahead", a verdade é que nada do que possa ser escrito ou dito, pode dar a dimensão humana que este filme encerra. Um filme que tem por inspiração factos da vida de Miles Davis, um criador à frente no seu tempo. Talvez por isso, quando na conversa que tive com Don Cheadle (que se pode ouvir no áudio anexo a este texto) lhe pedi que numa só palavra me definisse Miles Davis, a resposta tenha sido: "Next".
Brilhante. Tão brilhante quanto o foi Miles Davis. Tão brilhante quanto o é este filme - "Miles Ahead" - tão brilhante quanto é o desempenho de Don Cheadle no papel do trompetista.