
OCTÃVIO PASSOS/LUSA
A Europa e a escassez de recursos podem deitar abaixo a maioria, avisa a direção do Bloco, na estratégia para os próximos dois anos. Partido tem duas prioridades, lista de pedidos. E vários recados.
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A nova maioria é boa, tem funcionado para repor rendimentos, mas vai acabar por fracassar se não houver "uma nova estratégia para o país", diz a moção de estratégia da direção do Bloco, proposta à próxima Convenção do partido, que se realiza em junho - envolvendo dirigentes das principais tendências: Catarina Martins, Jorge Costa e Pedro Soares, mas também Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua e Mariana Aiveca, da 'ala' UDP.
Sem essa nova estratégia, diz o texto a que teve acesso a TSF, "não é possível vencer a austeridade e sustentar o compromisso de recuperação de rendimentos em que assenta a maioria parlamentar. Ainda que tímida, essa recuperação, se não criar nova margem de manobra, ficará em causa pela pressão externa e pela escassez de recursos."
A pressão externa de que fala Catarina Martins é, claro, a da União Europeia. Daí que o texto que vai orientar a estratégia do partido nos próximos dois anos sublinhe as duas prioridades do partido: "Renegociar a dívida pública e realizar uma intervenção sistémica sobre a banca privada, assumindo o controlo público, são processos essenciais para proteger os recursos nacionais, criando condições para o investimento, emprego e o reforço do Estado Social".
Mas, porque a Europa de hoje é "um projeto político condenado", e mudar a Europa por dentro é um projeto sem futuro, o Bloco volta a um ponto por onde não passa desde a campanha eleitoral: o partido deve estar mandatado e preparado para tudo, até para sair do euro: "O desenlace do caso grego e a pressão para a entrega da banca portuguesa aos gigantes europeus demonstram que uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país."
No plano interno, a lista de batalhas políticas que prometem marcar diferenças face ao PS - e pôr pressão sobre a governação socialista - está elencada no texto:
Promover a contratação coletiva, diminuir horários de trabalho com o fim do banco de horas e a limitação do horário normal de trabalho a 35 horas por semana nos setores público e privado, recuperar os 25 dias de férias, o valor das horas extraordinárias e das indemnizações por despedimento. Combater a precariedade, para acabar com os falsos recibos verdes, falsas bolsas e falsos estágios, aumentar os meios de fiscalização para transformar vínculos precários em contratos de trabalho efetivos, limitar dos contratos a prazo, acabar com a farsa dos contratos emprego inserção, o "trabalho voluntário" imposto e com as empresas de trabalho temporário, assumindo os centros de emprego as responsabilidades de colocação de trabalhadores nos casos de real trabalho temporário. Aumentar o Salário Mínimo Nacional, valorizar as profissões e qualificar a população.
Acabou o voto útil, vem aí um regime presidencialista
No texto que vai ser votado na Convenção, os dirigentes do Bloco concluem que o acordo para atual maioria de esquerda "colocou em xeque a armadilha do 'voto útil'". E avisa o PS que o seu objetivo é crescer eleitoralmente: "O Bloco quer conquistar às forças do centro a hegemonia que estas ainda conserva junto de largos setores sociais, através da afirmação autónoma dos valores, princípios e propostas que diferenciam o Bloco de Esquerda". Mas a ameaça não é imediata: "Esta diferença e esta autonomia não diminuem o empenho do Bloco no trabalho político da maioria parlamentar. Pelo contrário, são fatores para se alcancem resultados mais importantes na resposta aos problemas das pessoas e do país", diz o texto.
Para o PCP vem um elogio e uma promessa de mais diálogo (com uma crítica pelo meio): "O Bloco de Esquerda valoriza o contributo que o PCP tem dado para uma política de recuperação de rendimentos, direitos e serviços públicos e está disponível para encontrar novas formas de diálogo e cooperação com o PCP para a solução dos problemas dos trabalhadores. O Bloco persiste nesta atitude construtiva mesmo perante a ocorrência de episódicas expressões de sectarismo. Só com uma mobilização alargada poderá a maioria popular contrapor-se eficazmente à chantagem europeia".
Para as autárquicas, o Bloco aponta como objetivo "o aumento da sua representação nos municípios e freguesias. Em cada executivo, o Bloco contribuirá para maiorias de transformação à esquerda, nelas estando disponível para todas as responsabilidades, contribuindo para isolar e derrotar a direita nos órgãos autárquicos."
E, por fim, há também uma crítica para Marcelo, pelo excesso de intervenção dos seus primeiros dias em Belém: "A chantagem europeia é o grande apoio da direita para tentar repor o ciclo de concentração da riqueza e austeridade permanente e assim ameaçar a maioria parlamentar. É sob esse pano de fundo que também ocorre a presente tentativa de presidencialização do regime político, que marca o início do mandato do novo Presidente da República".