Uma proprietária e um madeireiro. Uma estrada ladeada por árvores negras, em Campelos, Pedrógão Grande. Uma conversa sobre a falta da limpeza, o excesso de eucalipto e o preço da madeira queimada.
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Maria Odete tem um sorriso de orelha a orelha. Arderam-lhe os campos todos, mas entende que só há uma forma de encarar a vida: "Não vale a pena chorar em cima de leite derramado".
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Por isso, acabada de chegar de Lisboa, garante que leva a situação a brincar. "Vou sorrindo porque não habito aqui, por isso para mim é mais fácil. Perdi e mentalizei-me que era para perder mesmo". Mas também confessa que "ficava admirada" quando "chegava ao fim do verão e escapava sem arder". E porquê? "É um horror, eu não limpo, se me mandarem limpar entrego à câmara, porque o rendimento que a gente tira não dá".
Se pagasse para limpar, diz ela, "deixava de ter lucro". "Não posso vir aqui enterrar a minha reforma", acrescenta, para concluir: "Isto depois acontece, olhe, paciência. Morreram muitas pessoas, isso é que foi mau".
Maria Odete está já sentada dentro da carrinha do madeireiro com quem vai negociar a venda das árvores queimadas. Antes de arrancarem, ainda há tempo para uma análise à política florestal.
"Acho que o Estado deve por outra vegetação, outras plantas. Isto era só eucalipto e pinheiro, tudo inflamável. A gente tem que cuidar do nosso Planeta. Isto era a receita mais fácil, mas a gente não pode querer só lucro. Eu não plantei nada, foi nascendo. Há trinta e tal anos houve um incêndio e o vento levou as sementes e os eucaliptos foram nascendo", explica ela.
Carlos Simões, o madeireiro, não sorri tanto como Maria Odete. Mora em Castanheira de Pera e também tem propriedades que arderam. "Tínhamos aí madeira para os anos todos, todos os ano podíamos cortar madeira. Agora os eucaliptos só daqui a 12 ou 15 anos [estão prontos a cortar] e o pinho só daqui a 40 ou 50 anos".
Carlos Simões compra aos proprietários para vender à indústria de celulose. Confessa que não sabe o que vai fazer nos próximos anos. Fala em "miséria", diz que "vai haver fome para muita gente que tinha alguma coisa e ficou sem nada".
"A madeira queimada vai descer, o eucalipto só dá para descascar daqui a quatro ou cinco meses e o delgado nem se aproveita, só o mais grosso é que dá para aproveitar para as celuloses", elucida.
Depois, encolhe os ombros, lança as mãos ao volante, roda a chave na ignição, escapa-lhe um sorriso ligeiro, diz que vai viver "um dia de cada vez".