Mário Machado na TVI. Sindicato dos Jornalistas apresenta queixa contra a estação
Para além de apresentar queixa junto da ERC e da Assembleia da República, o Sindicato dos Jornalistas pede à Comissão da Carteira que avalie eventuais procedimentos disciplinares e que esclareça a TVI sobre a indevida utilização da palavra "repórter".
Corpo do artigo
O Sindicato dos Jornalistas decidiu apresentar queixa contra a TVI junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) e da Assembleia da República na sequência da polémica em torno da presença de Mário Machado, líder da Nova Ordem Social, no programa da manhã da estação "Você na TV" e também no programa da TVI 24, "SOS 24".
Numa nota publicada no site do Sindicato, a estrutura considera "inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema-direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes de violência, sequestro, posse de arma e discriminação racial, entre os quais a participação no homicídio de um jovem cabo-verdiano, em 1995".
No mesmo plano, o Sindicato explica que o Código Deontológico dos Jornalistas obriga os profissionais a rejeitarem "o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual" e sublinha que o devem fazer de forma ativa.
""Rejeitar" é um verbo ativo, não se basta com "abster-se de", nem "ser neutro em relação a", imponde a proatividade da ação - e uma ação bem diferente da que a TVI tomou, em dois dos seus programas, um dos quais sob a alçada da Direção de Informação."
A estrutura sindical apela à estação televisiva para que pare de utilizar o termo "repórter" a quem não tem carteira profissional de jornalista: "O Sindicato dos Jornalistas considera a opção da TVI irresponsável e insta a que o canal pare de usar indevidamente o termo "repórter", que só deve ser aplicado a quem é, efetivamente, jornalista com carteira profissional. Aparte o pseudotratamento jornalístico, importa sublinhar que o entretenimento - que, por vezes, serve de refúgio para contornar regras e violar princípios - também tem de respeitar a Constituição da República Portuguesa."
"O Sindicato dos Jornalistas vai apresentar queixa contra a TVI junto do regulador, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e do legislador, a Assembleia da República, bem como pedir à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que avalie eventuais procedimentos disciplinares e esclareça a TVI sobre a indevida utilização da palavra "repórter"", pode ler-se no comunicado.
Leia o comunicado na íntegra:
O Sindicato dos Jornalistas considera inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes de violência, sequestro, posse de arma e discriminação racial, entre os quais a participação no homicídio de um jovem cabo-verdiano, em 1995.
A propósito, o Sindicato dos Jornalistas recorda o artigo 9º do Código Deontológico:
O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual.
"Rejeitar" é um verbo ativo, não se basta com "abster-se de", nem "ser neutro em relação a", imponde a proatividade da ação - e uma ação bem diferente da que a TVI tomou, em dois dos seus programas, um dos quais sob a alçada da Direção de Informação.
Os programas "Você na TV!" e "SOS 24", nos canais TVI e TVI24, respetivamente, deram voz a um racista explícito e um salazarista assumido, que defende o regresso de Portugal à ditadura e a quem foi dada a oportunidade de se dedicar ao branqueamento histórico, em sinal aberto e para um grande público, com pouco ou nenhum contraditório.
No atual contexto europeu, é fundamental que o jornalismo se exerça em defesa da democracia, sem a qual a liberdade de expressão não existiria. Esse mesmo contexto, de crescimento da extrema-direita, do populismo e do nacionalismo, impõe que os jornalistas - a título individual, mas também os órgãos de informação, suas direções e administrações - reflitam sobre o papel que desempenham na eliminação do racismo, da xenofobia e da discriminação - e, sobretudo, ajam em conformidade.
O Sindicato dos Jornalistas considera a opção da TVI irresponsável e insta a que o canal pare de usar indevidamente o termo "repórter", que só deve ser aplicado a quem é, efetivamente, jornalista com carteira profissional.
Aparte o pseudo tratamento jornalístico, importa sublinhar que o entretenimento - que, por vezes, serve de refúgio para contornar regras e violar princípios - também tem de respeitar a Constituição da República Portuguesa, onde, no Artigo 13.º, se expõe claramente:
Princípio da igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Tendo todos o direito a expor ideias, o respeito pelos valores democráticos e pelos direitos humanos universalmente consagrados deve também ser obedecido por todos.
O Sindicato dos Jornalistas recorda ainda que, de acordo com a mesma lei fundadora (artigo 46.º), "não são consentidas (...) organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista" e apela à Assembleia da República que se pronuncie, à luz deste artigo, sobre o caráter da Nova Ordem Social, organização política "nacionalista e patriota" liderada por Mário Machado.
O Sindicato dos Jornalistas já pediu à Ordem dos Advogados que esclareça se Mário Machado é "advogado", como foi apresentado, e "jurista", como o próprio se intitulou - e a que título assim é considerado por uma classe profissional que também tem um código de ética que respeita a Constituição.
O Sindicato dos Jornalistas vai apresentar queixa contra a TVI junto do regulador, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e do legislador, a Assembleia da República, bem como pedir à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que avalie eventuais procedimentos disciplinares e esclareça a TVI sobre a indevida utilização da palavra "repórter".
A comunicação social - os jornalistas e as direções e administrações dos órgãos de informação - tem o dever de saber que a democracia também tem linhas vermelhas - as da sua própria preservação. Não vale tudo em busca das audiências. Muito menos usurpar e desrespeitar toda uma classe e uma ética profissionais. Em nome nosso, não!