Relação diz que juiz Carlos Alexandre desprotegeu garantias de defesa de José Sócrates

O juiz Rui Rangel afirma que a promoção do Ministério Público e o despacho do Juiz de instrução que prolongou o segredo de justiça para lá de 15 de abril, "não cumpriram os ditames da lei", e que o juiz Carlos Alexandre desprotegeu "de forma grave os interesses e as garantias de defesa do arguido".
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Nos excertos do acórdão a que a TSF teve acesso, são várias as críticas, quer ao MP quer ao Juiz de instrução. Os juízes da Relação de Lisboa, que deferiram o recurso apresentado pela defesa do antigo primeiro-ministro, argumentam que "ou existem razões plausíveis de direito" que mostram que "a publicidade poderá comprometer a investigação, a aquisição e conservação das provas atenta a natureza das infrações cometidas e a qualidade dos intervenientes", ou "não faz qualquer sentido, sendo ilegal, abrir esta «auto-estrada», de um segredo, sem regras e sem «portagem»".
Mais, escreve o juiz desembargador Rui Rangel, "o que é grave é que esta «auto-estrada» do segredo, sem regras, passou sem qualquer censura pelo Sr. Juiz de instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e as garantias de defesa do arguido, que volvido tanto tempo de investigação, desde 2013, continua a não ser confrontado, como devia, com os factos e provas que existem contra si".
Nesta primeira decisão favorável à defesa do antigo líder socialista, Rui Rangel afirma que uma decisão como a que foi tomada pelo juiz Carlos Alexandre pode "afastar de forma grave o arguido do conhecimento dos factos incriminatórios que lhe são imputados, fazendo com que jogue um jogo no escuro e na ignorância, não se podendo defender de forma eficaz e adequada".
O juiz considera que "é pena que entre nós não exista a cultura de que uma acusação será mais forte e robusta juridicamente, e, sobretudo mais confiante, consoante se dê uma completa e verdadeira possibilidade ao arguido de se defender. E que não seja vítima dos truques e de uma estratégia do investigador."
Alinhando pelas suas próprias posições públicas sobre a questão do segredo de justiça, Rui Rangel defende que esse instrumento não pode servir de "arma de arremesso ao serviço da ignorância e do desconhecido", e que "a virtude e as razões do segredo de justiça não podem ficar prisioneiros de uma estratégia que o transforme numa regra quando o legislador quis que fosse uma exceção".
Os juízes desembargadores Rui Rangel e Francisco Caramelo, que assinam este acórdão, classificam a manutenção do segredo de justiça interno (para os diversos agentes processuais), como sendo ilegal, confessando que nunca tinham "visto um pedido de prorrogação de segredo de justiça, como medida cautelar", e que essa "invocação cautelar" não se enquadra "no espírito e na letra da lei".
No acórdão, a que a TSF teve acesso parcial, Rui Rangel afirma que "quer a promoção do Ministério Público (MP), quer o despacho do Sr. Juiz de instrução, não cumpriram os ditames legais porque para além de não se encontrarem fundamentados, assentam num pressuposto errado que fere a lei e os princípios gerais de direito, a intenção cautelar para justificar a prorrogação por mais três meses do prazo do segredo de justiça".
Rangel afirma ainda que "ser o dono do inquérito não significa que se pode tudo, mesmo fazendo coisas sem qualquer fundamentação legal", e acrescenta que "o nosso processo penal tem que ser democrático não só nos seus princípios, (...) mas sobretudo no exercício constante da sua prática".
Num outro ponto do acórdão, é reforçada a mesma ideia, afirmando-se que "nada justifica que uma investigação que iniciou em 2013 se tenha mantido todo o tempo em segredo". O Juiz Desembargador afirma que o Ministério Público "aponta justificações genéricas, vagas e indeterminadas para formular o seu pedido", e que "nessas justificações cabe tudo e não cabe nada", sublinhando que a "ausência de fundamentação" é "outro pecadilho da promoção causadora da prorrogação do segredo de justiça".