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Benfica contra o triunfo do algoritmo de Toulouse, o Moneyball francês

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O clube francês utiliza a análise de dados estatísticos para tomar decisões sobre jogadores a contratar. Mas há instabilidade no balneário porque nem sempre as peças escolhidas pelo algoritmo encaixam fora da folha de cálculo.

O Toulouse tem tardado em apresentar o mesmo rendimento na liga francesa que na Europa. O técnico português Jorge Maciel torce o nariz à aposta num sistema de recrutamento que sobrepõe as estatísticas ao contexto social. Mais ainda quando se transforma o modelo num dogma que submete os treinadores a uma função difícil de colar peças diferentes. Mas há talento em Toulouse, assinala o antigo treinador da formação do Benfica.  

O diretor desportivo do Toulouse explicou recentemente em Lisboa, na Web Summit, o trunfo do clube, o sistema utilizado para analisar dados de mais de 70 campeonatos profissionais. O clube com direção de Damien Comolli (passou também pelo Liverpool) procura bons negócios para a equipa principal, jogadores que possam ser revendidos. 

O modelo de recrutamento é inspirado nos mesmos princípios dos enunciados por Michael Lewis no livro “Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game”. 

Jorge Maciel conhece este tipo de ferramenta, mas não acredita na eficácia dogmática apregoada pela direção do Toulouse. O modelo “tem coisas incríveis para detetar talento, mas para o confirmar é necessário algo mais profundo”. E a equipa que esta quinta-feira visita o Benfica tem sentido essas dores. 

“Eu não considero uma forma nada interessante (risos) sinceramente, até porque passei por um processo bastante semelhante. Referenciam-se e contratam-se jogadores com base em dados e, depois, no balneário, a equipa técnica apercebe-se que há jogadores que ao sexto ou sétimo mês juntos ainda não falaram uns com os outros”, resume Jorge Maciel.

Soma de resultado nulo

Esse ecossistema, o balneário, não é resultado de uma soma única de 25 a 30 números absolutos. “Isto acontece porque há entre os atletas barreiras linguísticas, culturas diferentes, e eu acho que essa é uma das dificuldades do Toulouse neste momento, criar algo comum com tanta gente tão diferente”, nota o antigo técnico de Valenciennes, que trabalhou também como adjunto no Lille ou na formação do Sport Lisboa e Benfica. 

A posição ocupada pelo Toulouse na liga francesa (15º) antecipa um final de temporada complicado na luta pela manutenção. 

“Claro que há jogos em que a equipa se transcende devido à motivação, como acontece na Europa. Uma transcendência pela novidade, enquanto no campeonato é mais difícil, porque há que olhar para um objetivo distante, de longo prazo”. Faltam objetivos comuns, acredita Jorge Maciel. 

O clube continua na Europa (onde defronta o Benfica no playoff da Liga Europa), palco no qual, olhando apenas para os números, surpreendeu na fase de grupos pela consistência: uma derrota em seis jogos, goleada sofrida diante do Liverpool, a quem haveria de ganhar em casa por 3-2. 

Estratégia para o Benfica

“O Toulouse está numa lógica de renovação de plantel, após uma época complicada. Têm um grupo muito jovem, com um guarda-redes algo inexperiente [Guillaume Restes, 18 anos]. É uma equipa que ainda está a descobrir o campeonato francês e as competições europeias. Tudo isto pode tornar a eliminatória imprevisível”. 

Mas Jorge Maciel encontra qualidade nas opções francesas. “O que eles fizeram contra o Liverpool não acontece por acaso. Mesmo que o Liverpool tenha rodado de alguma forma a equipa. Fundamentalmente do ponto de vista ofensivo considero que têm um potencial muito grande”. 

A equipa técnica é liderada por um técnico catalão, Carles Martinez, antigo adjunto de Philippe Montanier.

“É uma equipa que tenta sair a jogar, que quer um jogo curto. Acredito que eles vêm a Lisboa para pressionar, tentando aproveitar alguma indefinição e dificuldade do Benfica na primeira fase de construção. Porque falo muito com os adjuntos do Toulouse, e mesmo não tendo visto muitos jogos, sei qual é o espírito deles. Acredito que, pelo menos no início do jogador, eles vão tentar pressionar. Vai passar por aí, por tentar surpreender um bocadinho”. 

Podem começar aí os problemas para um Benfica que chega à eliminatória europeia vindo de um empate em Guimarães (2-2). 

“O Toulouse pode colocar muitos problemas ao Benfica sobretudo na transição, em contra-ataque, que é onde o Benfica sofre bastante. As equipas francesas são muito verticais, e esta equipa tem esse traço. E este traço pode dificultar a vida ao Benfica, que, já se viu, se sente mal contra equipas mais aguerridas, mais verticais, como se viu contra o Vitória”, assinala o treinador português. 

Problemas defensivos

“O ponto mais débil é defensivo. Não me recordo de um encontro onde não tenham sofrido golos. Ainda este fim de semana com o Nantes o jogo ficou praticamente resolvido ainda na primeira parte. No segundo tempo o Nantes ficou mais recolhido, passou para uma linha de cinco a defender, e eles tiveram algumas dificuldades, sem espaço, com o Nantes recolhido, e acabaram por marcar já a acabar (derrota 2-1)”. 

A solução está na bola e no que o Benfica pode fazer com ela. “Se o Benfica tiver tranquilidade com bola. Se estiver precavido para não deixar sair em transição, com jogadores muito perigosos como Dallinga” pode confirmar o ”favoritismo”.

O neerlandês é uma das referências da equipa, embora ainda muito jovem. 

Virando o quadro tático do avesso, o treinador espanhol do Toulouse vai apontar às relações entre Aursnes/Bah e Antônio Silva ou Di Maria, mas também no corredor contrário, entre Morato/Álvaro e Otamendi. 

“Vão tentar definir qual o jogador “alvo” pressionar, e, fundamentalmente através das dinâmicas nos corredores - apesar de tentarem jogar muito por dentro não conseguem criar muitos desequilíbrios nesta zona -, podem criar perigo ao Benfica. Não sei qual dos laterais vai jogar, quer à esquerda quer à direita, mas há um aproveitamento dos adversários de dinâmicas que ainda não estão bem consolidadas entre centrais e laterais, quer também no jogo de corredores, quando os extremos ficam muito na frente enquanto os defesas estão atrás”. 

Do lado de Roger Schmidt há que manter um bloco coeso. “O Benfica tem de ser uma equipa, tem de estar compacto. Quando o jogo “parte” entra numa fase que as equipas francesas gostam, com espaço, atacar, com jogadores verticais, capazes de encarar o adversário no 1x1, capazes também de finalizar. Acho que o Benfica é favorito, pela história, pelo efetivo que tem, mas, o Toulouse pode complicar a vida a um Benfica meio adormecido”

Equipa com talentos, mas ainda em construção

Dallinga, Spierings, Rasmus Nicolaisen ou Caseres são alguns dos atletas recrutados em diferentes latitudes que se têm imposto no Toulouse. Se há um título de taça a registar no modelo escolhido, sobram dúvidas nas provas de regularidade. 

“O Toulouse tem jogadores muito interessantes de uma forma constante, algo que lhes permitiu, por exemplo, ganhar a taça. Mas é muito difícil no lugar do treinador criar algo em comum para os jogadores. Estamos a falar de uma equipa que deve ter um ou dois franceses e que, como titular não tem nenhum, ou melhor, tem o guarda-redes, muito jovem."

“Esta forma de recrutamento não é infalível porque tem este lado da questão interpessoal, relacional, socioafetiva, questões para as quais não há métricas que descrevam. Como é que um jogador que vem da Dinamarca, Ucrânia, Rússia, do Azerbaijão, da Bielorússia, chega a França e se adapta ao balneário? Num contexto onde só se fala francês? É uma forma de detetar talento, uma forma interessante, mas é também, na minha opinião, uma forma de deturpar o futebol."

O modelo de recrutamento procura talento com base em métricas, estatísticas comparadas e previsões. Comprar barato, seja em que contexto for, para vender caro. Mas o puzzle necessário repete-se noutros contextos. 

“Durante anos e anos o Manchester City contratou grandes jogadores, no tempo de Roberto Mancini. Era como um museu com muitas peças bonitas, mas aquilo não tinha lógica nenhuma. As pessoas iam lá e viam, mas não havia nada articulado. Como temos também o exemplo do Paris Saint Germain, que sucessivamente investe em valores confirmados mas que, se calhar, há ali coisas muito importantes para o futebol que não o talento."

“Fomos campeões em Lille com 15 nacionalidades diferentes, mas no primeiro ano quase descemos de divisão. Há necessidade de construir tudo de novo. Não sendo o primeiro ano do projeto do Toulouse, é o primeiro ano do novo treinador."

O Benfica defronta o Toulouse esta quinta-feira na primeira mão do playoff da Liga Europa. Jogo às 20h00 no Estádio da Luz. 

Tiago Santos