A PJ fez esta madrugada uma reconstituição do que se terá passado na praia do Meco. Hoje é também o dia em que se realiza a missa mandada celebrar pela Universidade Lusófona.
A Polícia Judiciária de Setúbal procedeu esta noite à reconstituição da tragédia que causou a morte de seis jovens universitários na praia do Meco, com base em informações do sobrevivente, João Gouveia, disse à Lusa fonte ligada ao processo.
Durante mais de duas horas, a Polícia Judiciária tentou perceber as circunstâncias em que morreram os seis jovens, dois rapazes e quatro raparigas, todos alunos da Universidade Lusófona de Lisboa.
Para hoje está marcada uma missa, cumprindo-se o sexagésimo dia da morte dos seis estudantes da Lusófona, que na prática será o primeiro ato público assumido pela Universidade, facto que levou as famílias dos estudantes mortos a classificar a iniciativa como uma afronta à memória dos jovens, e que demonstra bem «a falta de sensibilidade» dos responsáveis da escola.
Os pais das vítimas, convidados a participar na cerimónia por carta registada com aviso de receção que lhes foi endereçada pelos dirigentes da Lusófona, ponderam não assistir à missa, por considerarem que se trata de uma «campanha de marketing para a universidade limpar a imagem».
António Soares, pai de uma das vítimas, disse ao DN que este convite só serviu para agravar o clima de revolta entre as famílias. «Nós não vamos. Se até hoje os responsáveis pela universidade não falaram connosco para nos contarem a verdade sobre a morte dos nossos filhos, porque é que nós havíamos agora de aderir a uma espécie de "show off" para ajudar a limpar a imagem da faculdade» - interrogou-se.
Judiciária com semana intensa de diligências
Ao longo desta semana foram várias as diligências desenvolvidas pelos inspetores da Polícia Judiciária encarregados de desvendar o que aconteceu naquela madrugada, e nas horas que antecederam a tragédia.
O único sobrevivente da praia do Meco, João Miguel Gouveia, que liderava aquele grupo de estudantes na qualidade de Dux da COPA - Comissão Oficial das Praxes Académicas da Lusófona, foi ouvido pelos investigadores da PJ, desconhecendo-se o teor das suas declarações, por o processo se encontrar em segredo de justiça.
Sabe-se que o jovem estudante mantém a versão que foi tornada pública três semanas depois da tragédia, através de uma carta enviada à Lusa por familiares seus, e segundo a qual o que se passou na praia do Meco teria sido simplesmente um acidente. Não é esta, porém, a convicção das famílias das vítimas, que têm recebido muitas dezenas de emails que apontam para um ritual praxista de contornos ainda indefinidos.
Segundo o relato feito ao DN por Cidália Almeida, uma das vizinhas de um terreno baldio na Rua das Flores, a cerca de 300 metros da casa que os jovens tinham arrendado para aquele fim de semana, os sete jovens, vestidos com o respetivo traje académico, dedicaram a tarde a um ritual praxista, segundo o qual os seis estudantes que viriam a morrer afogados rastejavam «pela terra e com pedras presas nos tornozelos».
Abordados por moradores da zona que estranharam tão invulgares atitudes de humilhação, aparentemente sob a orientação do dux João Miguel Gouveia, que permanecia de pé ostentando a colher de pau gigante que é símbolo das praxes, uma das jovens teria respondido: «Isto é uma praxe. Uma experiência de vida. Não se meta».
Familiares das vítimas mantêm-se ativas
O secretismo e o silêncio que desde a primeira hora tem caracterizado o comportamento quer do único sobrevivente - João Gouveia - quer, a outro nível, da própria Lusófona continuam a adensar o mistério e as dúvidas sobre o que de facto terá acontecido naquela madrugada.
E é sobre este cenário de muitas perguntas sem resposta que os familiares dos jovens mortos mostram a sua indignação, exigindo que seja revelada a versão pessoal e de viva voz do único sobrevivente sobre o que se passou na casa de Aiana de Cima e na praia do Meco.
Os pais dos seis estudantes afogados querem ainda conhecer os dados que estarão na posse dos dirigentes da Lusófona relativamente aos preparativos do programa que teria sido elaborado pelos responsáveis da praxe para ser executado pelos jovens naquele fim de semana. Porém, a Lusófona sustenta que só depois de concluído o inquérito interno que está a fazer poderá divulgar os dados que vierem a ser apurados.
À Polícia Judiciária os pais das vítimas fizeram a entrega dos telemóveis, computadores, vestuário e objetos pessoais que foram utilizados pelos estudantes, antes e durante o tempo que estiveram alojados na residência alugada para o fim de semana da tragédia. Mas são muitas as questões ainda sem resposta conhecida, sendo certo que o primeiro prazo legal de que dispõem os investigadores para concluir o inquérito nunca será inferior a oito meses, podendo ser prolongado pelo magistrado do Ministério Público encarregado da coordenação das investigações, caso tal se torne necessário.
Muitas questões em aberto à espera de resposta
São várias as questões que intrigam os familiares dos jovens mortos, que consideram não se justificar tanto secretismo. Entre outras, relevam perguntas óbvias, cujo silêncio parece incompreensível e injustificado, segundo entendimento dos pais dos estudantes afogados.
Quem define e em que consiste o "pacto de segredo" imposto às praxes da Lusófona?
Quem tem acesso aos códigos da praxe, e porque não são os mesmo tornados públicos?
Quantos estudantes estavam "mobilizados" para aquele fim de semana, e porque faltaram alguns?
Quantas pessoas estiveram alojadas na moradia de Aiana de Cima, e quantas foram à praia?
Qual o programa e o que estavam os jovens a fazer no areal quando foram arrastados pelas ondas?
Qual a função do dux da praxe nos rituais da tarde de sábado que antecedeu o afogamento?
Que produtos compraram os jovens e o que consumiram na noite da tragédia?
Quem retirou os pertences dos estudantes da moradia de Aiana de Cima naquela madrugada?
Qual o papel da Universidade Lusófona nos programas desenvolvidos pelos praxistas?
Estas e muitas outras questões aguardam resposta da parte dos investigadores, mas, sobretudo, alimentam o desespero das famílias que perderam os seus filhos em condições consideradas ainda muito misteriosas.