No Brasil e em França, a notícia de Abril chegou e influenciou de formas diferentes os cidadãos dos dois países. Foi o que contaram, na sexta-feira, Lula da Silva e Dominique Pouchin, antigo jornalista do Le Monde, que se juntaram a Mário Soares para discutir o 25 de Abril visto de fora.
O antigo Presidente brasileiro Lula da Silva apelou ontem aos jovens para que retomem «os ventos e os cravos» da Revolução de 25 de Abril, considerando que os portugueses poderão «superar qualquer obstáculo».
«Este bravo povo português, que desafiou os mares quando eles eram a fronteira do medo, será sempre capaz de novas proezas. Quem soube vencer um regime odioso, que aos olhos estrangeiros parecia eterno nos seus 48 anos, poderá superar qualquer obstáculo. Um povo que soube renovar o seu país, tornando-o uma economia pujante e que em pouquíssimo tempo alcançou os mais altos padrões sociais, não pode desistir de sonhar», defendeu, intervindo numa conferência sobre "O 25 de Abril visto de fora", promovida em Lisboa pela Fundação Mário Soares.
Na sua intervenção, Lula da Silva disse que a notícia da revolução portuguesa chegou ao seu país, então sob uma «implacável ditadura militar» há dez anos, como «um bálsamo de esperança», causando «um misto de saudade e inveja e sincera admiração».
Os acontecimentos em Portugal estreitariam «ainda mais os seculares laços entre portugueses e brasileiros», considerou.
Lula da Silva evocou dois militares portugueses que estavam exilados no Brasil e que morreram antes da revolução: general Humberto Delgado e capitão Henrique Galvão, recebidos com aplausos pela plateia que enchia o auditório do Museu do Oriente, em Lisboa.
O antigo Chefe de Estado brasileiro recordou que o ex-Presidente português Mário Soares, então exilado em Paris, se encontrou ali com resistentes brasileiros, referindo ainda «dois companheiros que se encontram no topo da fraternidade luso-brasileira»: o histórico comunista Álvaro Cunhal e o brasileiro Leonel Brizola, nomes também aplaudidos pela sala.
«Tivemos divergências, meu querido amigo Mário, com um ou com outro, mas aprendemos a respeitá-los pelas suas grandes qualidades, a coerência política e a coragem com que se dedicaram à causa da liberdade e à causa do socialismo», sublinhou.
Na sessão, participou também o jornalista francês Dominique Pouchin, que presenciou a revolução do 25 de Abril em Portugal.
«Portugal esteve durante dois anos no cerne da vida política europeia», com repercussões na política interna de França, Itália e Espanha, sustentou o jornalista, que destacou o impacto do debate entre Álvaro Cunhal e Mário Soares, que foi transmitido pela televisão francesa.
«Nunca se tinha visto, numa cadeia de televisão francesa, às 20:30, um confronto entre dois líderes estrangeiros. Nunca tinha acontecido e nunca mais se repetiu. Isso dá a ideia do que foi a revolução para a política francesa. Teve muitos milhões de espetadores», afirmou.
Pouchin identificou cinco palavras-chave sobre os acontecimentos que envolveram a revolução em Portugal: «desconhecimento, incredulidade, entusiasmo, confronto e alívio».