Fernando Santos recebeu a tão desejada prenda de anos que pediu aos seus jogadores. Seleção nacional venceu por 2-0 com autogolo de Djourou e golo de André Silva e vai marcar presença no Mundial.
A bola só sorri a uns. Desfaz-se, fica corada, deixa-se tocar, abraçar. E volta a fugir, para não ser de ninguém. Mas ela volta. Perde a vergonha. Mas só uns sabem a cantiga. Bernardo Silva é um deles. Aquela canhota sabe escrever como poucos escreveram nesta terra. A velocidade nem é o seu forte. A força, idem. Os músculos estão colados noutro corpo qualquer. Faz lembrar a famosa frase de Cruijff: "Se começar a correr mais cedo, pareço mais rápido". Os génios vivem disso, das lembranças que vêm do futuro. Da memória por acontecer. Tiram a fotografia antes da imagem. Portugal venceu esta noite a Suíça por 2-0, com golos de Djourou (na própria) e André Silva. Ou seja, os portugueses estão apurados para o próximo Campeonato do Mundo.
Cristiano Ronaldo gostou da cantoria no hino. Sorriu bastante. A coisa começou bem antes de começar. Portugal precisava de vencer para garantir a fuga ao play-off. E foi isso que aconteceu. Fernando Santos apostou em Cédric, Pepe, Fonte, Eliseu para defender as aventuras suíças, que só na segunda parte confirmou o seu rótulo eterno: neutralidade. William, João Moutinho, João Mário e Bernardo Silva compunham a sinfonia do meio campo, enquanto o ataque à baliza de Sommer estava entregue a Cristiano Ronaldo e André Silva.
As coisas não começaram bem. Muita impaciência, muita aceleração sem rigor, muita vontade. As pessoas na bancada não ajudam, iam acelerando o batimento do coração da bola, que queria sossegar em pés como os de Bernardo e William. Teria de ser paciente, só aconteceria na segunda parte. Enquanto Portugal entrou nervoso, a Suíça entrou com muito boa pinta. Havia muito jogo posicional, com Xhaka a controlar todos os movimentos: era dono da bola e do tempo. Indicava para onde deveriam seguir. O jogador do Arsenal era a bússola dos helvéticos. O canivete suíço era Shaqiri, que supostamente estava na linha, mas depois pisava terrenos no interior, fugindo das águas agitadas do litoral. Shaqiri foi colocando dificuldades a William e companhia. Lichtsteiner e Ricardo Rodríguez iam sendo convidados a subir, promovendo o jogo interior dos colegas. Estava muito interessante este desenho.
Houve bolas jogadas à toa, houve contra-ataques mal desenhados. Chutões até. A equipa lusitana não estava bem, estava ansiosa. Os suíços aproveitavam. Era urgente William tomar conta da bola, dizer aos colegas que eles é que deviam mandar ali. Aconteceu, mas depois do um-zero. Até lá, vir-se-ia até Cristiano Ronaldo mais perto da linha, para tocar na bola.
O golo chegou antes do intervalo, aos 41 minutos. A bola saiu da canhota de Eliseu, com um cruzamento da esquerda. A rota da menina lembrou o GPS da bola em que Figo era perito, entre o guarda-redes e a defesa, tensa. Uma senhora confusão culminou com um golo na própria de Djourou.
O intervalo chegou, com o equilíbrio como cartão-de-visita: 248 passes portugueses contra 240 suíços. Ainda assim, os rapazes de Fernando Santos tiveram mais acerto: 87%. William era dos melhores neste capítulo, claro: 93,3% de acerto. Xhaka confirmava a leitura da primeira parte: 34 passes (94,4% certos). É um belo jogador. Mas jogou demasiado à vontade...
E isso mudaria no segundo tempo. O meio campo português parece ter subido um pouco as linhas, com Xhaka mais desconfortável. A Suíça sentiu o murro no estômago. A bola fugiu-lhes mais vezes. Xhaka foi menos influente.
E o segundo golo chegou com naturalidade, porque nesta altura Portugal já estava dono do jogo. William e Moutinho romperam o meio campo rival, com alguns passes, até que se aperceberam que já haviam dado o sinal para Bernardo Silva piscar o olho ao espaço aberto na direita. O canhoto do Manchester City recebeu já dentro da área e cruzou para o segundo poste, onde estava André Silva, 2-0.
Os suíços, a partir daqui, muitas vezes iam parecer garotos a defender. Iam nos movimentos de arrastamento, iam no engodo, estavam descrentes. A meio da segunda parte até souberam lançar um ataque rápido, mas só porque Xhaka fugiu num duelo com William e acelerou o jogo. É um jogador muito interessante, sempre a querer assumir, sempre com a posição do corpo virada para jogar bem, evitando virar as costas ao jogo. A coisa podia ter piorado muito para os suíços, enquanto o público pedia "só mais um", mas não aconteceria.
Ronaldo surgiu isolado, mas perdeu o duelo com o guarda-redes helvético. No camarote onde a TSF estava, um ex-internacional português comentou que era demasiado fácil para ele. Se calhar foi isso.
O três-zero voltou a ameaçar chegar. Bernardo Silva voltou a encontrar espaço pelo lado direito da área alheia e trocou os olhos a Djourou. Foi uma maldade. Primeiro puxou para dentro, depois para fora. Djourou já estava baralhado. A seguir, quem se confundiu foi Bernardo: dar ao capitão ou tentar ele. Acabou por chutar, humanizando, errando, a sua exibição. Raramente perde a bola, mas desta vez errou. Ele, meio envergonhado, levantou a mão e pediu desculpa.
Está feito, senhores. Fernando Santos, que se mostrou muito nervoso durante o jogo, com as mãos a viajar até ao bolso, até à garganta, afastando a gravata. Alguns ex-internacionais portugueses brincaram com esse movimento muito característico. No final, o treinador diria que irá com esta equipa "até ao fim do mundo".
Depois de um apuramento praticamente imaculado, apetece lembrar as palavras do aniversariante (63 anos) após a conquista do Campeonato da Europa, em França: "Fomos simples como as pombas, prudentes como as serpentes". E voltaram a ser.