Política

Um "passou-bem" à Marcelo e outros bastidores do encontro com Trump

epa06845570 US President Donald J. Trump meets with President of Portugal Marcelo Rebelo de Sousa in the Oval Office at the White House in Washington, DC, USA, 27 June 27, 2018. EPA/ALEX EDELMAN / POOL EPA

Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump juntos, só podia dar história. E esta é a história de uma visita que durou pouco mais de 40 minutos.

Ir à Casa Branca para reunir com o líder da maior potência mundial e chegar atrasado é chato, mas é de coragem. Marcelo tinha chegada marcada para uns minutos antes das 14h00 da tarde, hora de Washington (19h00 em Portugal). Os jornalistas estavam alinhados, os serviços secretos a postos, e a guarda de honra prontíssima para cumprir o dever, mais uma vez.

"Vem aí", ouve-se alguém da comitiva portuguesa gritar. Num ato mecânico, os repórteres de imagem pegam nas câmaras, os jornalistas nos microfones e nos telemóveis - sim, nos telemóveis - mas nada acontece. A situação repete-se uma, duas, três, quatro vezes, até se começar a aplicar a história do Pedro e do Lobo. "He's coming", gritava, desta vez, alguém da Casa Branca, mas já ninguém pegava nas câmaras, nem nos microfones, nem nos telemóveis.

Marcelo Rebelo de Sousa chegou, pelo menos, oito minutos depois da hora prevista e Trump só apareceu à porta da West Wing (Ala Oeste da Casa Branca), quando já se avistava o SUV preto que transportava Marcelo Rebelo de Sousa. A imprevisibilidade de Donald Trump no comentários e nas decisões não corresponde à previsibilidade do aspeto: fato escuro, gravata vermelha, cabelo de uma cor estranha, impecavelmente penteado, como se nem o vento o conseguisse demover. Tal e qual nos habituámos a vê-lo na televisão.

E eis que Marcelo sai do carro. Mão em riste na direção de Trump, que também já levantara ligeiramente o braço para cumprimentar o convidado especial do dia. O que Donald Trump provavelmente não estava a contar é que o Presidente de Portugal, fisicamente mais "estreito", tivesse tanta pujança na hora de apertar a mão. É que Marcelo não se limitou a dar um "passou-bem", como se diz em bom português. Em pleno ato, o Presidente Português puxou para si o Presidente norte-americano. Trump deu literalmente um solavanco e, claramente, não estava a contar com tanto entusiasmo num aperto de mão.

A Sala que além de oval é pequena

A partir do momento em que Marcelo e Trump entram na Casa Branca, começa a correria para os jornalistas. O tempo dentro da Sala Oval é curto e nem Trump nem Marcelo esperam por quem quer que seja. Quando os jornalistas portugueses entraram, já os dois estavam à conversa e os jornalistas americanos estavam posicionados. As regras eram simples: ambos os chefes de Estado fariam uma declaração inicial e apenas os jornalistas norte-americanos teriam direito a perguntas. Dentro da Sala Oval não há diretos e o número de câmaras de filmar é limitado.

Trump e Marcelo estão sentados em duas poltronas e o som apenas pode ser captado por microfones colocados em perches, uma espécie de monopé extensível, que permite manter os jornalistas longe dos protagonistas, sem deixarem de captar tudo o que eles vão dizer. Trump ainda se irritou com uma jornalista americana que tinha o microfone demasiado perto da cara dele.

Se a Sala Oval fosse, de facto, um ovo, seria seguramente de codorniz e nunca de avestruz. Lá dentro cabe tudo o que nos habituámos a ver nas séries e nos filmes americanos: os dois sofás posicionados um em frente ao outro, os dois cadeirões, os quadros de alguns dos ex-presidentes norte-americanos nas paredes e, claro, a secretária do 'Comander in Chief', o "Presidente do mundo livre".

A linguagem corporal de Marcelo

Se há aspeto importante na diplomacia é a linguagem corporal. Um sorriso, um aceno, um gesto, quase tudo tem uma leitura que, quando mal feita, pode criar um verdadeiro engulho diplomático. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Washington com o propósito de afirmar Portugal como um país de pontes e não de ruturas, mas sem abdicar dos princípios que defende, sobretudo em matérias como as migrações ou os tratados comerciais.

Trump não fugiu a nenhum desses assuntos. Pegou na cartilha que ele próprio escreveu e começou a debitar sobre a importância de ter "fronteiras fortes" ou sobre a necessidade de se alcançarem acordos comerciais mais justos. Quem estivesse com atenção a Marcelo Rebelo de Sousa notaria que o Presidente da República fechava o rosto de cada vez que Trump exprimia a sua opinião. Mas, mais do que isso, o Presidente português teve, várias vezes, que se controlar para não intervir e para não iniciar, ali na Sala Oval, um debate que só deveria acontecer depois, em privado.

Ainda assim, Marcelo não resistiu a acenar que não com a cabeça, uma ou duas vezes, quando Trump se referiu à questão dos imigrantes ilegais. No meio dessa declaração, o Presidente americano ainda se virou para o homólogo português, para confessar que não sabia bem a posição dele sobre estas matérias. Marcelo teve oportunidade a seguir, à porta fechada, para o elucidar.

No final do encontro, o Presidente da República confirmou que a linguagem corporal foi um fator que teve em conta antes de chegar à Casa Branca, ainda que considere ter-se excedido um pouco, num ou noutro momento, mostrando demasiada reprovação para o que a ocasião exigia.

Assessoras histéricas

Aquilo que era suposto ser uma declaração de cada um dos chefes de Estado virou uma conferência de imprensa para jornalistas americanos. Era como se a presença do Presidente da República de Portugal fosse apenas um pretexto para os jornalistas americanos poderem estar cara a cara com Trump, em vez de estarem sempre a ler os tweets dele.

O Presidente norte-americano parecia estar de bom humor e nem sequer se importou. Respondeu a tudo o que lhe perguntaram, apesar dos gritos histéricos das assessoras que queriam acabar com aquilo rapidamente.

Trump, muitas vezes, quase se esqueceu que Marcelo estava ali. Falou abundantemente da Rússia, dos tratados comerciais, de migrações e, sobretudo, do tema que marcava a atualidade nos EUA: a aposentação de Anthony Kennedy, juiz do Supremo que tinha estado na Casa Branca pouco antes de Marcelo.

Volta e meia, Trump lá se lembrava que tinha ao lado o Presidente da República de Portugal e ainda lhe chegou a pedir desculpa, por não lhe estar a prestar a devida atenção. Marcelo perdoou tudo e não estava propriamente surpreendido com o desenrolar dos acontecimentos. Obviamente, para os Estados Unidos, receber o chefe de Estado de Portugal não é a mesma coisa que receber o Presidente da China ou mesmo da Alemanha.

E, talvez por isso, Marcelo atirou com o tema do futebol para a conversa. Desporto sobre o qual Donald Trump percebe pouco, mas onde Marcelo está perfeitamente à vontade. Até porque, como explicou o Presidente da República, Portugal tem o melhor jogador do mundo. Será que Donald Trump sabia disso? Agora já sabe.