

Miguel Poiares Maduro
Artigos publicados


Imigração e o risco da polarização
A imigração não tem sido objeto de combate político em Portugal e é importante que assim continue. Dois factos devem ser pressupostos de qualquer debate nesta matéria. Primeiro, somos um dos países da União Europeia com menos imigrantes em percentagem da população (19º entre 27 Estados Membros). Segundo, somos dos Estados que mais necessitam de imigrantes devido à diminuição e envelhecimento da nossa população. Sem um aumento significativo da imigração o nosso Estado social será insustentável a médio prazo. É o que nos diz um estudo coordenado por Francesco Franco (da FEUNL) para a Fundação Gulbenkian. Este estudo estimou a diferença no saldo orçamental se a população ativa continuar a diminuir. Com a atual evolução demográfica (ou seja, mantendo os atuais níveis de natalidade e saldos migratórios; a diferença entre imigrantes e emigrantes) iremos ter cada vez menos pessoas em idade ativa (a pagar impostos e contribuições). Se se mantiver a percentagem de rendimento com que contribuem para o Estado (que já é muito elevada) esta evolução demográfica irá conduzir a um enorme buraco nas contas públicas a médio prazo: um défice superior a 20%. Isto só nos deixa três alternativas: ou cortamos a despesa do Estado em mais de 20%, ou aumentamos ainda mais a já insustentável carga fiscal ou conseguimos aumentar a população em idade ativa. Esta última exige políticas que promovam a natalidade e a imigração. O estudo demonstra que, por bastante bem sucedidas que venham a ser as nossas políticas de natalidade, nunca serão suficientes: necessitamos de bastante mais imigração. Isto é aliás também já visível na falta mão de obra em vários setores económicos.

A revolução digital ao serviço dos cidadãos
Pode surpreender-vos, mas somos um dos países que mais serviços digitais oferece aos cidadãos. É uma evolução progressiva que atravessou vários governos, incluindo aquele a que pertenci. Foi um governo anterior que criou a possibilidade de tratar de certos assuntos por via digital através de uma máquina de leitura do cartão cidadão, mas foi no meu governo que se facilitou muito essa possibilidade com a Chave Móvel Digital ou os Espaços do Cidadão (que, por sua vez, se inspiraram no modelo das lojas do cidadão desenvolvidos por outro governo). Isso veio depois a ser aprofundado e exponenciado pelo governo sucessivo com inovações como a app de identificação eletrónica. Este é um exemplo de como uma continuidade de políticas públicas pode fazer evoluir o país. No acesso digital dos cidadãos à administração, Portugal é em muitos aspetos líder a nível mundial.

A entrevista da instabilidade
Os primeiros-ministros não dão entrevistas com frequência. Quando o fazem é, quase sempre, para anunciar uma novidade importante e marcar a agenda em redor desse anúncio. Não foi o caso da entrevista do primeiro-ministro à RTP esta semana. Não houve qualquer novidade. O mais próximo disso foi o anúncio de um anúncio ao dizer que o governo irá em breve apresentar um plano para a habitação.

30 Anos de Conselho Económico e Social entre o Diálogo Social e a Democracia Participativa
Participei ontem num painel de apresentação do livro sobre os 30 anos do Conselho Económico e Social. É diga-se um livro em boa hora promovido pelo atual Presidente do CES (Francisco Assis) e exemplarmente escrito por Pedro Tadeu. O livro e o debate que se seguiu identificaram sucessos e insucessos do CES expondo a tensão permanente em que tem vivido desde a sua origem. Em primeiro lugar, uma tensão histórica, entre a influência do modelo europeu de diálogo social e o medo do corporativismo associado com o Estado Novo. E, em segundo lugar, a tensão decorrente das diferentes funções atribuídas ao CES, em particular, simultaneamente, órgão de concertação social e órgão participativo da sociedade civil. Há que dizer que o CES tem sido bastante mais eficaz como órgão de concertação social (com vários acordos ao longo da sua história) do que como instrumento de consulta e participação da sociedade civil no processo político.

Discutir critérios em vez de questionários
De supérfluo a ridículo, são inúmeros os epítetos atribuídos ao questionário criado pelo governo para, alegadamente, averiguar da integridade dos potenciais candidatos a ministros e secretários de estado. Raros são os elogios. Também não ouvirão um da minha parte, mas, ao mesmo tempo, também não o ridicularizo. Qualquer esforço para trazer mais método ao governo é positivo, particularmente num governo que parece desesperadamente necessitar de algum método e organização. O questionário é, no fundo, uma forma mais sistemática e organizada de recolher informação sobre os candidatos a membros do governo.

A funcionalização da política e a endogamia governativa
O facto de António Costa ter limitado o campo de recrutamento na recente remodelação do seu governo tem tanto de controverso como de pouco surpreendente. Desde logo porque, paradoxalmente, tendo recentemente iniciado a legislatura com uma maioria absoluta, António Costa e o seu governo dão sinais de fim de ciclo. Na verdade, mais do que o reforço político obtido nas últimas eleições parecem contar os 7 anos de governo. Neste contexto, e após os inúmeros escândalos que têm assolado o governo, a capacidade de recrutamento de nomes fortes da sociedade civil era limitada. Mas, mesmo que existisse, é pouco provável que António Costa a utilizasse. Primeiro, porque as decisões políticas de António Costa são dominadas pela tática política. A sua intuição seria sempre ler a saída de Pedro Nuno Santos como abrindo espaço a uma oposição interna no PS à sua liderança. Ao promover, dentro do governo, nomes próximos de Pedro Nuno Santos procura continuar a prender este ao governo e a limitar o seu espaço de diferenciação. Segundo, e o mais relevante em termos estruturais, é que a funcionalização da política parece estar no centro da cultura política de António Costa.

Casos, casinhos e casarões
Afinal os casos e casinhos que o primeiro-ministro ainda há poucos dias ridicularizava terminaram num casarão em que já não se sabe onde paira a razão.

Ronaldo e Portugal
Há poucos dias, em pleno período do mundial de futebol, fui convidado para apresentar o último livro do jornalista Rui Miguel Tovar: Lembrar um Mundial para Esquecer. Não, não é um livro premonitório deste último mundial (é verdade que chegámos aos quartos de final, mas a verdade é que soube a pouco e toda a participação teve um sabor amargo). O pretexto do livro é o mundial na Coreia do Sul que muitos recordam quer pelo jogo em que João Pinto socou um árbitro quer pela surpreendente eliminação de Portugal na fase inicial e perante equipas alegadamente inferiores. Mas o livro acaba por ser uma história da seleção nacional até esse mundial, incluindo outros desastres como Saltillo. Para além de, como é comum em Rui Miguel Tovar, ser um livro muito bem escrito, entre crónicas literárias de futebol e crónicas policiais, o livro expõe de forma clara o amadorismo que dominou a organização da seleção até esse período.
