O Centro de Interpretação Sefardita, situado no núcleo histórico da cidade, pretende dar a conhecer as vivências dos "cristãos novos" desde o século XV até hoje, e mostrar os aspetos culturais e sociais das privações diárias dum povo perseguido que deixou muitas marcas em Trás-os-Montes
Pode-se dizer que o espaço abre na rua dos museus. Ao fundo da "Abílio Bessa" está o centenário Museu Abade de Baçal e "paredes meias" com este novo Centro Interpretativo da cultura Sefardita encontra-se o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais.
Reportagem de Afonso de Sousa
A casa, estreita de dois andares, recebe-nos com uma oliveira estilizada em toda a parede direita do rés-do chão. É uma árvore grande feita de muitas pequenas meias bolas escuras que, dentro de cada uma, têm inscritas as localidades por onde passaram comunidades de Judeus. Do lado esquerdo cinco painéis recordam-nos a vida de alguns dos principais investigadores da cultura Judaica em Portugal. Estão lá Orlando Ribeiro, Leite de Vasconcelos e o transmontano Abade de Baçal.
De Lisboa veio Jaime Ayash, vice-presidente da comunidade Israelita da capital. Diz que, mais do que tudo, é importante salientar o exemplo de boa convivência de religiões, que Portugal dá numa altura em que se reavivam mundialmente vagas antissemitismo. "O que é importante é que os vestígios da civilização judaica e tudo o que é do património judaico em todo o país estão a ser recuperados. Em segundo lugar estamos a verificar que a cultura judaica está na moda em Portugal e é importante porque, hoje em dia, estamos a viver uma grande vaga de antissemitismo no mundo e sobretudo na europa e Portugal, graças a Deus, é um exemplo do bem-estar, da boa convivência entre judeus, cristãos e mesmo muçulmanos. A civilização judaico-cristã em Portugal é um exemplo de prazer, de amor e dedicação entre as várias civilizações e as várias culturas e religiões".
Jaime Ayash acrescenta que a permanência dos Judeus de norte a sul do país deixou marcas genéticas pela positiva. " Trás-os-Montes, as Beiras são importantes, mas todo o país. Ainda ontem estive em Elvas e também está a recuperar todos os vestígios judaicos desde o século XIV. Quando se fala as pessoas dizem que há sempre uma costela judaica em cada família. Os Almeidas, os Pereiras e ouvir isto em todo o país é uma prazer".
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Com muita satisfação das suas raízes judias está António Fernandes. O ex-funcionário público de Bragança mostra emocionado, à TSF, dois cadernos manuscritos do avô do início do século passado. " Foram escritos pelo meu avô materno que era "cristão-novo". Ele tem aqui a data a dizer que o livro de pertence e é de 1925. Tem aqui várias orações porque ele rezava muito. Eu sei porque eu fui criado em casa deles e praticavam muito a religião judaica".
Sempre com uma emoção visível acrescenta que "o espaço já deveria ter aberto há mais tempo porque uma boa parte da população de Bragança, são judeus. Eu tenho a minha árvore genealógica completa desde mil, seiscentos e qualquer coisa, para cá. Os primeiros judeus que vieram para Bragança foram duas famílias, uma de Lugo e outra de Zamora, aqui de Espanha. Ainda há pouco tempo fui à Suíça e encontrei lá um museu com uma coleção de quadros dum indivíduo daqui de Bragança. Ele nasceu em França, o pai é que era natural de Bragança, da família Pissarro. Ele era pintor e chamava-se Camille Pissarro", conclui.
Camille Pissarro era filho do brigantino Abraham Gabriel Pissarro. Amigo e contemporâneo de Cézane e Monet, foi um dos pintores impressionistas mais destacados dos finais do século XVIII, início do século XX.
Ao fundo do rés-do-chão do Centro Interpretativo, umas escadas largas de madeira levam-nos ao primeiro andar. Aí uma cronologia histórica lembra-nos o decreto de expulsão de Espanha de todos os Judeus, em 1492 e a fuga para Portugal, principalmente para as zonas de fronteira.
A inquisição perseguia-os. O rei D. Manuel acolheu-os e deu-lhes direitos. Cerca de um ano mais tarde obrigou-os a batizarem-se. São os "cristãos-novos" e a sua viagem de mais de 5 séculos que preenchem grande parte desta segunda sala. É lá que está a explicação do termo Sefardita: diz-se de um judeu cuja ascendência remonta às comunidades judaicas ibéricas estabelecidas aqui na idade média e que depois de expulsos de Espanha se fixaram na europa ocidental, Norte de África, Balcãs ou américas. Aqui há também fotografias de locais e arquiteturas próprias da cultura judaica, textos, sons e tudo o que lembra o dia-a-dia dos judeus com especial relevo para as atividades económicas.
Ao fundo, um grande ecrã táctil permite perceber a mobilidade mundial de muitas famílias judaicas ao longo do tempo. Este espaço começou a ser pensado em 2006 por Jorge Nunes. O antigo presidente da autarquia brigantina vê nele, um espaço diferente e propício a mais investigação. " É um projeto diferenciador no quadro da rede de Judiarias a nível nacional e continuará a ser no futuro porque este não é um espaço estático, é um espaço dinâmico sob o ponto de vista de conteúdos, da investigação. É uma oportunidade para jovens investigadores aqui encontrarem conteúdos relevantes que abrem outros caminhos de investigação e nessa sequência, este centro, pode ser enriquecido por essa via".
Jorge Nunes diz ainda "que é um espaço de visita e conhecimento relevante que aqui pode trazer muitas pessoas da comunidade sefardita mas também todas aquelas pessoas que se interessam pela cultura, pela identidade dos territórios e dos povos".
O terceiro e último espaço fica no segundo piso do edifício. Ao centro tem uma enorme coluna quadrada que emite sons e imagens do que deverá ser entendido como demonstração do medo que sempre foi perseguindo os judeus. Do outro lado, dois ecrãs complementam-se com a recreação de um tribunal inquisitório, obra do realizador brigantino António Morais.
Hernâni Dias, o presidente da Câmara de Bragança acredita que o Centro Interpretativo Sefardita do Nordeste Transmontano é uma homenagem importante para todos os judeus que passaram pela região. " Reconheceu-se que a presença dos judeus neste território tinha sido de tal ordem que seria importante preservar a memória, conhecermos a história ao ponto de se poder fazer aqui uma homenagem a todos os judeus que estiveram em Bragança e em toda a região do Nordeste Transmontano".
E acrescenta que essa homenagem será ainda mais forte com a abertura, lá para abril, de um Centro de Documentação e Memorial Judaico na mesma rua.
Espaços que pretendem ser uma viagem no tempo para que se preservem a identidade e memória dos sefarditas do Nordeste Transmontano e para que todos os homens se lembrem das injustiças e humilhações e para que a coragem e a resistência não sejam esquecidas.