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O especialista em direito do desporto Alexandre Mestre admite a hipótese de a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ficar pelo processo disciplinar à jornalista da SportTV pela questão colocada ao treinador do Sporting. Para o especialista, o facto de os jornalistas serem considerados agentes desportivos faz sentido, mas não nos termos atuais e o regulamento da Liga que gerou polémica devia ter sido fiscalizado pelo Estado, que falhou no seu "dever" de o fazer.
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"A figura agente desportivo é importante no regulamento disciplinar para que possam estar sob o poder disciplinar de uma federação desportiva, porque se não estão sob a alçada do poder disciplinar, não podem ser objeto de qualquer sanção. Um jornalista, como qualquer outro agente que intervém no fenómeno desportivo, é um agente desportivo porque intervém no âmbito da competição, mas o facto de ser agente desportivo não quer dizer que todas as suas ações sejam passíveis de ação disciplinar e uma ação destas não deve ser passível de ação disciplinar. Enquanto estiver prevista, o órgão que tem de aplicar o regulamento não tem outra alternativa. Pode, no entanto, vir a concluir que essa norma é inconstitucional e não querer aplicá-la", explicou à TSF Alexandre Mestre.
Para Alexandre Mestre, o Estado falhou ao não fiscalizar este regulamento e a chuva de críticas ao Conselho de Disciplina (CD) da FPF faz pouco sentido.

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"As críticas que têm sido feitas ao CD não são justas do ponto de vista em que apenas e só está a aplicar uma norma que consta no regulamento disciplinar. Esse regulamento existe e o Estado, como tem o dever de fiscalizar os regulamentos, poderia ter feito essa fiscalização e detetado a desconformidade desta norma com a Constituição. Tendo detetado teria ordenado à Liga que retirasse essa mesma norma do seu regulamento", esclareceu o especialista.
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Ouça as declarações de Alexandre Mestre à TSF
A norma é bastante discutível, mas Alexandre Mestre considera que não está de acordo com a Constituição.
"A questão de conformidade com a Constituição não é de resposta imediata, mas num primeiro momento suscita dúvidas sobre a conformidade com a liberdade de expressão e imprensa. Não concordo com esta norma, acho que não deveria existir e também me suscita claríssimas dúvidas sobre a sua conformidade com a Constituição. Esta norma existe e não deveria existir, mas tendo sido aprovada também nunca foi questionada e há órgãos próprios para isso, nomeadamente o Instituto do Desporto que devia ter fiscalizado a aplicação desta mesma norma", afirmou.
Questionado sobre se o regulamento pode ser alterado ainda esta época desportiva, Alexandre Mestre diz que só o Governo o pode fazer.
"Pode ser revisto, mas o que diz a nossa lei é que quando há uma alteração num regulamento essa alteração só pode produzir efeitos na época seguinte, a não ser que haja uma alteração feita pelo próprio Governo, como foi feita no tempo da Covid, em que a título excecional o Governo permita que possa haver uma alteração que produza efeitos imediatos", acrescentou Alexandre Mestre.
Fonte oficial do órgão disciplinar federativo disse esta quinta-feira que "não pondera sancionar" a jornalista da SportTV, tendo sido atribuído ao processo "natureza urgente", que deverá servir ainda para "clarificar uma aparente desconformidade constitucional".
O Sindicato dos Jornalistas considerou na quarta-feira ser "um atentado à liberdade de imprensa" o processo, estranhando a "manifesta falta de sensibilidade democrática" do Conselho de Disciplina da FPF e a "manifesta ilegalidade" dos regulamentos da LPFP.
Revelando que irá "participar este facto ao Ministério Público para os devidos efeitos", o SJ mostrou-se solidário com a jornalista em questão face a "uma forma gravíssima de censura absolutamente proibida no ordenamento jurídico português", que acredita poder "constituir um ilícito de natureza criminal", como "os atentados à liberdade de imprensa".
No mesmo dia, a Associação dos Jornalistas de Desporto (CNID) considerou a decisão "um absurdo", frisando que os profissionais "não podem ser escrutinados por nenhum conselho de nenhuma federação ou liga, nem por nenhum clube", enquanto a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) repudiou esta quinta-feira a atitude do Conselho de Disciplina da FPF, liderado por Cláudia Santos, em "instaurar ilegalmente" o processo.
Já o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, disse seguir "com muita preocupação" um tema "que limita a liberdade de imprensa e põe em causa os princípios basilares da constituição", apelando à reconsideração da posição do órgão disciplinar federativo.