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No primeiro minuto de jogo na Vila das Aves a turma de Nuno Manta Santos não jogou. O protesto deve-se, claro, ao momento peculiar que o clube vive. Por isso, decidi de forma injustificada apropriar-me de tal imagem para protestar contra a decisão da equipa técnica encarnada de encarcerar o jovem médio defensivo durante tanto tempo. Foram tantos meses que quase nos esquecemos das características singulares que ninguém na equipa e nesta liga tem.
Dos seus traços individuais destaco a velocidade. Não a velocidade a que se desloca, mas sim a que percebe o jogo quando a equipa está em posse. Ou melhor, a velocidade a que antecipa o momento da perda quando a equipa tem a bola. Não é uma característica banal, sobretudo numa equipa como o Benfica de Bruno Lage que dos quatro momentos do jogo se alimentava dos dois de transição. Foram muitos os jogos que a equipa resolveu quando recuperava a bola em zonas adiantadas e depois chegava rapidamente à finalização.

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Como disse Jurgen Klopp, não há melhor criativo do que recuperar a bola nos primeiros segundos após a ter perdido no meio campo ofensivo. Segundo o treinador alemão, a equipa pode ser fantástica a criar situações de golo, pode ter os jogadores mais capazes tecnicamente e com a imaginação mais aguçada, que ainda assim as situações que conseguem não se comparam às que a equipa fica quando recupera logo depois da perda de bola.
Não estou inteiramente de acordo com o treinador, ainda, campeão europeu: Concordo que muitas dessas situações são vantajosas, de facto, mas por outro lado acho que que se podem criar situações de potencial do mesmo nível ou melhores com uma boa capacidade ofensiva. Ainda assim, a ideia do treinador que levou os "Reds" ao título tantos anos depois serve perfeitamente para ilustrar a melhor versão do Benfica de Bruno Lage. O seu melhor atributo em organização ofensiva não era um princípio de jogo colectivo ofensivo, nem era um jogador diferenciado para a aparecer na criação; era sim a forma como a equipa transitava defensivamente, a forma como pressionava e recuperava, ou condicionava o adversário a perder o controlo sobre o seu ataque rapidamente.
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Por este motivo, considero que a ausência de Florentino foi subestimada. Ninguém pensou que tal capacidade não pudesse ser replicada por outros jogadores - afinal, estamos a falar de um atributo sem bola. O problema é que essa capacidade exige muitas horas de prática, anos de prática, para que se possa pensar mais rápido do que todos, e perceber os timings adequados e por onde pressionar para recuperar mais rapidamente a bola, ou provocar o erro. As três primeiras acções de Florentino (sem bola) foram elucidativas: uma recuperação, uma falta, e uma intercepção - todas elas no meio campo ofensivo. Conseguiu roubar a bola dos seus adversários, cortar uma tentativa de passe, e travar um contra-ataque. Parece até que ele consegue cobrir o campo todo.
Florentino permite que a sua equipa defenda mais alto, e que esteja mais confortável a atacar por saber que muitos dos lances de contra-ataque vão ser travados pela leitura e acção individual do médio defensivo. Como é óbvio, ele não é perfeito. Tem de crescer nos comportamentos defensivo em que está mais próximo da sua baliza, e também com bola. Ainda assim, nada justifica tantos meses de ausência em que nem para rodar os médios mais utilizados servia.

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Os treinadores julgam, na maior parte do tempo, que são deuses que podem transformar as suas equipas como entenderem, sejam quais forem os interpretes disponíveis. E esta é só mais uma amostra dos limites do trabalho de um treinador, e do tipo de coisas que um jogador diferenciado acrescenta que nenhum colectivo que dele viva pode substituir.
*Comentador TSF