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Ricardo tem 33 anos e trabalha há uma década no Porto de Setúbal. No entanto, dez anos de trabalho não são considerados um emprego permanente. Para os empregadores, Ricardo continua a ser um "trabalhador eventual", cuja função seria suprimir necessidades temporárias.
Conta à TSF que vive de contratos diários. "Todos os dias somos escalados por turno. Cada turno que efetuamos é um contrato novo". O primeiro turno diário corresponde a oito horas de trabalho, o segundo corresponde a sete. Muitas vezes, Ricardo faz ambos no mesmo dia.
"Eu faço mais do que o período de trabalho por mês que a lei permite - que são 22 dias úteis -, chego a ter 30 a 40 turnos por mês", indica.
Mesmo os contratos de trabalho diários, que antigamente Ricardo tinha de assinar todos os dias, já saíram do seu controlo. "A própria empresa arranjou uma procuração para poder, automaticamente, assinar pelos trabalhadores", denuncia.
Como não é trabalhador permanente, não tem direito a baixa médica se tiver um problema de saúde fora do trabalho nem a alguns subsídios.
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O caso de Ricardo está muito longe de ser único. Corresponde à situação de 90% dos trabalhadores do Porto de Setúbal, de acordo com o Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística (SEAL).
O repórter Miguel Videira dá voz à história de Ricardo, um trabalhador precário do Porto de Setúbal
"É uma brutalidade de precariedade. São 90% de trabalhadores eventuais para 10% de trabalhadores efetivos, mas o movimento do Porto de Setúbal está totalmente dependente destes trabalhadores precários", denuncia António Mariano, dirigente do SEAL.
Foi esta situação que levou os estivadores a organizarem-se num protesto, que está a pôr em causa as exportações nacionais - existindo até a possibilidade de que a fábrica da Autoeuropa tenha de parar a produção, uma vez que não consegue enviar os automóveis fabricados para o estrangeiro.
Os trabalhadores recusam-se a trabalhar, enquanto a entidade empregadora - a empresa Operestiva - não assinar contratos de trabalho permanentes com todos os precários.
Segundo o Jornal de Notícias e o Público, a empresa tentou recentemente assinar contratos individuais de trabalho sem termo, com 30 trabalhadores eventuais. Uma situação que é criticada pelo sindicato. "As empresas, que durante 20 anos não assinaram contrato permanente com eles, agora querem assinar com alguns, para dividi-los", atira António Mariano.
Perante a paralisação dos estivadores, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) encontra-se no terreno a averiguar a denúncia de alegadas coações sobre trabalhadores que querem trabalhar e a exigência de que sejam rasgados contratos já assinados. Uma ação condenada pelo SEAL. "Agora que há um problema de estrangulamento das nossas exportações é que as entidades oficiais se envolvem nesta tentativa absurda e ridícula de ajudar privados a furar greves", critica o dirigente sindical. "Há um problema de assédio aos trabalhadores".
António Mariano, do Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística, entrevistado por Fernando Alves
À TSF, o SEAL avança que chegou mesmo a ser colocada a hipótese de trazer trabalhadores temporários do Porto de Lisboa, para suprimir a ausência dos estivadores do Porto de Setúbal, mas estes, garantem, estão solidários com os colegas e não irão fazê-lo
"Os trabalhadores de Lisboa não estão cá para furar greves aos trabalhadores de Setúbal", declara António Mariano
Questionada pela TSF sobre o caso, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) garante que "tudo fará para que conflito se resolva de forma pacífica". A administração acrescenta ainda estar a trabalhar para que o movimento do Porto de Setúbal não seja desviado para portos espanhóis.
Contactado pela TSF, o Ministério do Mar afirma que está a acompanhar a situação e que "tem realizado sucessivas reuniões [incluindo um encontro esta manhã] com administradores portuários, operadores e representantes dos sindicatos dos estivadores".
A preocupação da tutela vai no sentido de encontrar soluções para minimizar ao máximo os impactos das paralisações e encontrar uma solução o mais rapidamente possível.
*com Miguel Videira, Fernando Alves e Sara de Melo Rocha