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Miguel Gil Mata fez boa parte da carreira ligada ao setor da energia, tendo trabalhado na barragem de Cahora Bassa, em Moçambique. É desde o ano passado presidente executivo da Sonae Capital, uma das 18 cotadas do PSI-20, depois de ter desempenhado várias funções na Sonae ao longo dos últimos 15 anos.
A Sonae Capital, através da marca The House, vai avançar com o projeto de um hotel para a estação de Santa Apolónia. Quando é que as obras de renovação arrancam?
Estamos já a fazer trabalhos preparatórios para o arranque da obra. Como podem imaginar, há muito para preparar e estudar para que a obra corra da melhor forma possível. Desde fazer sondagens no edifício, calcular tudo o que é preciso modificar, fazer cadernos de encargos, enfim, nunca passarão menos de 6 meses antes que a obra possa arrancar. Esperamos que o hotel possa estar em condições de abrir ao público em meados de 2021. É uma obra complexa e que tem de cuidar de manter integralmente o património, que é de grande valor histórico e arquitetónico, portanto não podemos apressar as coisas pondo em causa esses princípios.
Admitiu ao Dinheiro Vivo que havia obstáculos a ultrapassar. Que obstáculos são esses e já estão ultrapassados?
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Na altura ainda não tínhamos sido anunciados vencedores, daí ter dito que ainda não era uma realidade. Entretanto esses obstáculos foram ultrapassados, concretizou-se a atribuição oficial da concessão, portanto estamos livres para avançar.
O investimento para a reabilitação do edifício está avaliado em 12 milhões de euros. Mas quanto é que vão pagar à Infraestruturas de Portugal pela concessão?
O montante que vamos pagar, perdoem-me, é informação reservada e não podemos revelá-la nesses moldes, mas diria que é um valor que consideramos competitivo e razoável, um valor que remunera adequadamente o proprietário do edifício, portanto diria que é bom para ambos as partes.
Que tipo de unidade está a preparar, tendo em conta os bons resultados deste setor? Para que públicos é que estão a abrir portas?
Este hotel tem a vantagem de apelar a um público vasto e diversificado. Podemos atrair residentes locais e estrangeiros, é um local extremamente central, com muita visibilidade e movimento, numa zona nobre da cidade que está a melhorar a cada dia. Podemos atrair um segmento corporate, um segmento city break, enfim, é de grande amplitude. O dos cruzeiros também, naturalmente, é um ponto de passagem para muita gente, cruzamento de vários meios de transporte. Privilegiada.
A classificação já está decidida?
Ainda não está totalmente decidida. Faremos um hotel ou de 4 ou de 5 estrelas. Os de 5 estrelas obedecem a critérios relativamente rígidos e hoje em dia não é muito justo juntar a classificação à qualidade do produto. O que posso garantir é que a qualidade vai ser muito elevada. O local, o edifício, a cidade merecem isso, portanto cuidaremos para que seja um hotel muito atrativo. Seja 4 ou 5 estrelas, não decidimos, mas julgamos que não se deve dar muita importância a essa classificação. São critérios muito rígidos e de detalhe que o determinam.
O modelo que a Sonae Capital tem usado na hotelaria tem sido de exploração. Lisboa está a despertar neste momento para um novo negócio neste segmento: o hotel que vai nascer no CCB. Estão interessados?
Um projeto dessa dimensão e com esse carisma é sempre um projeto que acompanharemos e por princípio temos interesse. Naturalmente que cumprimos com Santa Apolónia o desígnio que queríamos atingir, que era a presença num mercado tão importante como o de Lisboa. Ampliar essa presença é sempre desejável, mas não lhe consigo dizer se será no CCB, noutro sítio, ou se acontecerá.
Projetar, construir e pagar uma renda de 300 mil euros é pedir demasiado ao concessionário?
É uma pergunta difícil de responder. É um projeto de grande ambição, de grande dimensão e que inclusivamente não se esgota na componente hoteleira, portanto há muitas variáveis em jogo. A renda é apenas uma dela. Conforme o restante contexto, a renda até pode ser adequada.
Com o imobiliário em alta ainda é possível fazer bons negócios?
É muito mais desafiante, o mercado hoje está muito aquecido nos grandes centros urbanos, em concreto em Lisboa e Porto. Há que ser cuidadoso. O crescimento é um objetivo, mas não se pode perder o rumo nem fugir a critérios de rentabilidade, de retorno de capital, que têm de ser acompanhados. O que temos feito face a este mercado é sermos extremamente cuidadosos, procurar e trabalhar muito no sentido de avaliar com todo o detalhe as oportunidade e perceber quais é que realmente encerram valor ou as que são muito especulativas.
E essas oportunidades são de compra ou de venda nesta altura?
O mercado hoteleiro é propício a alguma consolidação em geral. É bastante fragmentado, atrativo, em crescimento, um mercado que beneficia de alguns efeitos de escala, portanto é um mercado com oportunidades de consolidação. Temos feito o nosso caminho por crescimento orgânico e continuaremos a fazê-lo, não quer dizer que num mercado deste género não estaremos atentos às oportunidades.
O maior investimento da Sonae Capital ao longo dos últimos anos é em Troia. Quanto é que já investiram no Troia Resort?
Há mais de 20 anos que começámos a atribuir recursos a esse grande empreendimento, portanto é difícil fazer esse cálculo apurado. Posso dizer que já investimos muito dinheiro, mas estamos muito contentes com o retorno desse investimento. Demonstra o nosso compromisso de muito longo prazo - uma característica que gosto de vincar na Sonae Capital -, a nossa resiliência e visão. No caso, não posso deixar de referir o contributo absolutamente determinante do engenheiro Belmiro de Azevedo na altura, que hoje se reflete numa grande satisfação para nós, ao vermos que construímos em Troia, grosso modo, 550 unidades de alojamento, das quais já vendemos 470, aproximadamente. Praticamente todo o imobiliário que construímos em Troia está já vendido ao longo destes anos, já captámos curiosamente mais dinheiro vindo de fora para Troia, por via de aquisições destas unidades, do que até de compras de residentes em Portugal, um pouco mais, 55%. Temos hoje em Troia compradores de 35 nacionalidades diferentes, um produto de grande qualidade e que inclusivamente tem vindo nesta reta final a acelerar as vendas.
Que nacionalidades são essas?
São 35... europeus (espanhóis, franceses, alemães), do Oriente (Singapura, Vietname, China), americanos, brasileiros, nórdicos (suecos muitos)...
Tem mais planos para Troia?
Sim. Troia tem bastante capacidade para mais development. Não estamos neste momento a trabalhar numa lógica de sermos nós a fazer esse development. O peso do imobiliário no nosso portfolio é muito importante e queremos reequilibrá-lo com outras unidades de negócio, portanto temos trabalhado na comercialização de alguns dos macro-lotes e unidades de desenvolvimento ainda disponíveis em Troia a terceiros, que garantam sempre um grande nível de qualidade que possa garantir a promoção do destino. Sempre que fazemos esses acordos cuidamos para que isso resulte num posicionamento e correto e, leia-se, muito elevado para aquele destino.
Isso significa que não veremos a Sonae Capital a construir outro empreendimento como este?
Significa que por agora isso não está nos nossos planos.
A Sonae Capital atua também na área das energias renováveis há uma década. Gere e opera centrais de cogeração e produção de energia solar e eólica. Neste momento está a ser construída a nova central de biomassa em Mangualde, no distrito de Viseu. Representa um investimento de 50 milhões de euros e deve ficar pronta no início de 2020. O que é que esta central vai representar para o grupo?
Essa central aparece no decurso de um percurso de desenvolvimento desta área de energia, é uma aposta numa central sustentável, totalmente integrada com recursos locais, inclusivamente que funcionará em estreita colaboração com uma unidade industrial naquele local, que disponibiliza parte do combustível para a central e que, por sua vez, a central disponibiliza energia térmica para essa fábrica. É uma central que tem uma simbiose perfeita com essa unidade industrial, que permite um aproveitamento praticamente integral de toda a produção energética naquele local, não só elétrica mas também térmica. É a melhor forma de rentabilizar o recurso biomassa florestal. Primeiro porque o faz de forma integral e com elevadíssima eficiência e depois porque faz o aproveitamento apenas do resíduo e nunca queima madeira, que pode ser utilizada em alternativas mais nobres, por exemplo produzir mobiliário como este que temos no estúdio. Como no grupo temos tradição e know-how neste tipo de tecnologia, julgamos que era uma boa oportunidade.
É o tipo de investimento futuro onde querem estar?
Sim, é claramente um tipo de investimento como queremos como futuro da companhia.
Qual é a margem de crescimento a partir daqui? Depois desta central qual será o futuro?
Portugal, falando só da energia, é um mercado relativamente estreito para este tipo de nicho em que atuamos, mas temos uma posição forte no país e continuaremos a tentar aproveitar as oportunidades que existam. Mas como a nossa ambição é maior estamos já a trabalhar outros mercados. Recentemente abrimos atividade no México, onde temos já uma pequena equipa residente.
Já há novidades?
Já temos um conjunto de projetos em estudo. São sempre projetos que demoram tempo a concretizarem-se. Não espero que tenhamos projetos a trabalhar no curto prazo, mas estamos a trabalhar em diversos projetos, estabelecer contactos, parcerias, fazer análises, propostas... são projetos que não são stand alone, existem integrados em unidades industriais, em colaboração com parceiros... é preciso estabelecer contratos. São bastante trabalhosos mas parecem-nos promissores.
Há mais países a caminho?
Há mais países candidatos. Não há necessidade, para nós, para já, de entramos em mais nenhuma geografia. Não quer dizer que não possa acontecer no futuro, mas hoje, com o que temos, estaremos muito ocupados naquela geografia.
Tem as cartas todas apostadas no México?
Nessa área sim, para além do mercado nacional e, enfim, Espanha é quase uma adjacência do mercado nacional, está sempre presente mas com uma característica diferente.
Como é que tem assistido à discussão sobre as rendas excessivas?
Não gostava de tecer comentários muito concretos a isso. A área da energia é extremamente complexa, por vezes politizada, e tirar conclusões é muito difícil. É um tema que conhecemos bem, estamos tranquilos. Nada mais a acrescentar.
Falámos aqui de investimento, mas nos primeiros 9 meses de 2018 os resultados foram negativos. Como é que fecharam o ano passado?
Há muita coisa que contribui para a última linha da conta de exploração na Sonae Capital. A Sonae Capital tem feito um percurso de interessante de aumento da rentabilidade operacional das suas áreas de negócio, tem investido muitíssimo dinheiro, fruto de uma situação líquida confortável, uma alavancagem que consideramos conservadora, baixos níveis de dívida. Esses fortes investimentos resultam em amortizações elevadas e os resultados operacionais, apesar de não serem positivos, mas cada vez maiores, ainda assim traduzem-se nesse resultado. Não é nada que nos preocupe. A nossa lógica é de longo prazo e há muitos critérios de rentabilidade que acompanhamos com muito cuidado, para além do resultado líquido. Julgamos que a companhia tem mais que condições para continuar esta aposta de investimento e este foco de longo prazo.
Mas voltaram a fechar no vermelho?
De 2018 ainda não apresentamos resultados. Fá-lo-emos no dia 1 de março.
Com o imobiliário em crescimento e o turismo a abrandar, mas ainda a crescer, devia haver condições para a Sonae Capital ter resultados positivos, ou não?
O cenário atual é altamente muito favorável.
A Sonae Capital lidera o ranking sobre a representação feminina em posições de liderança nos conselhos de administração - tem duas administradoras num total de sete, ou seja 29%. São as conclusões de um estudo da Mckenzie e que mostra, no entanto, um Portugal um pouco atrasado neste capítulo. Porque é que acha que o país ainda compara mal com a Europa quando se fala de mulheres?
Deixe-me só acrescentar uma coisa: a nossa pontuação decorre, sem dúvida, da presença de duas senhoras no conselho de administração mas também do número de presenças femininas na comissão executiva, e aí há uma paridade. É um tema muito complexo. Há muitos fatores, desde logo culturais, históricos e até circunstanciais. Os setores mais fortes em cada economia determinam muito essa situação e há acima de tudo muito caminho a fazer. Na Sonae Capital temos esse como ponto prioritário na nossa agenda, nomeadamente da minha, porque este tema tem de partir da liderança de topo. O que temos vindo a fazer é dedicar a nossa energia a perceber exatamente os mecanismos de decisão... este tema não provém de uma decisão do top management, este tema resulta de decisões muito dissimuladas em toda a estrutura organizativa e nós precisamos de perceber esses mecanismo em detalhe para poder atuar nesses pontos.
As quotas de género que estão a ser implementadas nas grandes empresas e nas empresas públicas são importantes para reverter a situação?
São um sinal, eu vejo isso dessa maneira, e estão a ter algum impacto. As quotas por si não endereçam a questão estrutural, são uma forma de começar uma mudança e têm o mérito de trazer o tema para a ordem do dia. E isso já é um grande princípio. Mas penso que sozinhas não serão capazes de fazer mudar o panorama global. Muitas vezes o que vemos nas pirâmides das empresas é um base paritária, um topo razoavelmente paritário, mas depois, ao longo da pirâmide, uma longa assimetria.
Acha que nos próximos anos há condições para alterar esta circunstância?
Acho.
Porquê?
O tema tem estado nas agendas das empresas, é um bom business case, portanto faz sentido económico apelar a essa diversidade e eu penso que se assistirá a movimento e melhoria. Até onde conseguiremos chegar é difícil de prever, mas o momento é favorável.
E que também será possível alastrar isso aos salários, para que sejam posições iguais mas também pagamentos iguais?
Tenho tendência a pensar, pela minha experiência, que o problema reside nas posições e não nos salários que as acompanham. O problema reside no facto de as senhoras não ocuparem os mesmos lugares do que os homens, não tanto de que, quando os ocupam, ganharem menos. É a minha leitura. E posso dizer que na nossa companhia não há nenhuma discriminação salarial. Observa-se é ainda, apesar dos nossos esforços, uma realidade que não nos agrada, que é a da paridade nas posições que ocupam.
Apesar de em Portugal e no mundo também termos disparidade dentro das mesmas funções. O que alguns estudos mostram é que possa estar relacionado com a questão da maternidade. É uma questão que pode ter relevo na disparidade salarial?
Admito que sim. Não é o caso na Sonae Capital. Mas o tecido empresarial é muito heterogéneo e pensando nas pequenas empresas pode até ser mais relevante. A maternidade é um daqueles pontos-chave que referi há pouco e que as empresas têm de cuidar para que não seja um obstáculo ao prosseguir de uma carreira ambiciosa por parte de uma mulher.