Poupança e ciclos eleitorais não combinam

Para inverter a tendência decrescente da taxa de poupança nacional são necessárias medidas que ultrapassem os ciclos políticos. Só assim, de acordo com João Duque, Francisco Lima e Luís Leon, será possível inverter o ciclo e fortalecer a economia.

No terceiro trimestre do ano, e de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o rendimento disponível dos portugueses subiu 0,7%, sendo acompanhado por um crescimento de 0,9% no consumo. Contudo, a taxa de poupança permanece nuns magros 4,4%.

Considerando fatores como a subida do preço da habitação, o aumento da carga fiscal e um nível de salários tendencialmente baixo, coloca-se a questão de como inverter a tendência decrescente da poupança nacional ao longo das últimas duas décadas.

Numa iniciativa conjunta da Real Vida Seguros, Dinheiro Vivo e TSF, João Duque, economista e professor universitário, Francisco Lima, presidente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e Luís Leon, tax partner da consultora Delloitte debateram a necessidade de aumentar a taxa de poupança nacional.

E, se nem todos coincidem nas formas de incentivar a poupança junto dos portugueses, todos concordam que este é um problema cuja solução não se compadece com ciclos políticos/eleitorais de quatro anos.

Para Francisco Lima, mais do que um problema, a tendência de descida da poupança, registada na última década, deve ser vista como uma realidade. "Feito o consumo do dia-a-dia, muitas famílias não têm capacidade de poupar. Daí que não haja uma adjetivação do comportamento das famílias", afirmou o presidente do INE, para quem, parte do problema reside no nível de rendimento da população. "É em termos macro que é um problema termos uma baixa taxa de poupança e temos a noção da baixa capacidade de poupança das famílias", disse Francisco Lima, que lembrou ainda que a existência de baixos níveis de poupança se traduz na ausência de fundos para o crescimento da economia.

Por seu turno, Luís Leon lembrou que, na história recente, em Portugal, nunca foram tomadas medidas extraordinárias de incentivo à poupança. "Tirando os seguros de vida de capitalização, não há grandes medidas fiscais que incentivem à poupança", afirmou o partner da Delloitte, que frisou ainda que os impostos servem para financiar a despesa do Estado.

"Em Portugal, tem sido sempre difícil ajustar a despesa pública, daí o recurso aos impostos", afirmou Luís Leon, que deu como exemplo a eliminação da sobretaxa de IRS, compensada por via dos impostos indiretos sobre o tabaco, indústrias petrolíferas e bebidas alcoólicas. "O ajustamento vai durar mais de uma década, por isso, por via fiscal será difícil mudar o comportamento das famílias em relação à poupança", alertou ainda Luís Leon.

Questionado sobre se a troika tinha sido "uma machadada na capacidade de poupança" dos portugueses, o economista João Duque lembrou a subida da taxa de poupança durante esses anos. "É claro que temos pouco rendimento per capita, mas isso não invalida políticas que valorizem a necessidade de poupança para ajudar ao investimento. Caso contrário, a dívida será tomada por não residentes, as empresas serão compradas por não residentes e o património imobiliário é comprado por não residentes", afirmou o também professor do ISEG, para quem a fuga de rendimentos para o estrangeiro, daí decorrente, é uma preocupação.

"Estamos a ficar um país de assalariados, com pouco rendimento, sem capacidade de fazer face à pressão de uma sociedade que vai entrar na reforma e vai acorrer em massa aos hospitais", alertou João Duque, para quem a falta de sustentabilidade futura do sistema de segurança social e a baixa taxa de natalidade são fatores a ter em conta na análise aos comportamentos de poupança.

Por sua vez, Francisco Lima sublinhou que a poupança é apenas uma face de vários problemas estruturais com que o país se debate. "A taxa de desemprego desceu, mas o nível de salários não aumentou; temos taxas de juro baixas ou mesmo negativas e a inflação abaixo dos 2%, no que é um quadro relativamente novo para o país. Como estamos numa economia de mercado, o Estado tem alguns instrumentos que pode utilizar, mas está limitado", afirmou o presidente do INE.

Francisco Lima lembrou ainda que o país atingiu um valor record no que toca a impostos sobre as famílias (cerca de 35%). "É um valor igual ao período pós-troika. E se é verdade que, quando comparado com a União Europeia, estamos abaixo da média, no que toca ao PIB per capita estamos no topo da carga fiscal - a taxa de esforço está no limite", alertou Francisco Lima, para quem o problema está nos ciclos eleitorais, já que "a nível económico, há ajustamentos que não se fazem a quatro anos".

Já para Luís Leon, "em termos orçamentais Portugal, está numa situação próxima de um colete-de-forças", decorrente de todas as obrigações do ajustamento a que está sujeito.

João Duque, que encerrou o debate numa nota negativa, afirmando que "estamos a perder o futuro", deu ainda como possibilidade de aumento da poupança, um menor aumento dos salários dos funcionários públicos, sendo o montante "poupado" pelo Estado, canalizado para o fundo de pensões da segurança social.

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