"Quando o sol brilha em Portugal há sempre a tentação de ultrapassar as condições orçamentais"

O ministro das Finanças quer acautelar futuras crises, garantiu em entrevista à TSF, defendendo que é nos tempos de bonança que se deve amealhar.

Sobre o défice deste ano: seria grave encontrar-se a meio caminho com os partidos de esquerda com um défice de 0,8% ou 0,9%? Já avisou que a alternativa a estes números representaria um regresso ao passado, mas esta alternativa de mais uma ou duas décimas seria esse regresso ao passado?

Duas notas: não há nenhum maniqueísmo nos números, nenhum, quando lidamos com eles e sabemos lidar com eles percebemos que não há nenhum maniqueísmo nos números, ou seja, ser 0,7 ou 0,8 só por si não significa rigorosamente nada, depende da economia que está por detrás disso, depende das condições do mercado de trabalho que temos subjacentes aos números que apresentamos. E uma economia que está em processo de recuperação como a economia portuguesa, que tem vindo a tornar-se mais resiliente e capaz de acompanhar os desenvolvimentos muito positivos na Europa, deve ter condições para também ir resolvendo temas que tem subjacentes para o seu futuro, e a dívida é um deles. Portanto, quanto mais depressa nós colocarmos e sustentarmos a trajetória de redução da dívida, mais rapidamente vamos chegar àquilo que eu designei como um porto seguro, onde a política orçamental em Portugal possa, de facto, responder aos desafios que se lhe colocam.

Nós sabemos que a economia é cíclica e não faltam - até à esquerda, Carlos Carvalhas, Francisco Louçã - vários economistas que defendem que nós podemos estar prestes a enfrentar uma nova crise, não só Portugal, mas uma crise que pode vir do exterior. Antecipa isso ou não?

O ministro das Finanças jamais vai prever crises, vai trabalhar para que elas se possam evitar, e quando não se puderem evitar e, às vezes não se podem evitar, para que estejamos bem preparados para lidar com elas. Sem querer fazer uma resenha histórica muito longa, permitam-me que relembre aqui um pouco do que têm sido as últimas décadas da história financeira e orçamental em Portugal.

Só para usar aqui a ideia de que quando em Portugal o sol brilha, e brilha assim durante três ou quatro meses, há sempre uma enorme tentação de ultrapassar um conjunto de condições orçamentais que, à partida, podem causar problemas. Se nós voltarmos ao final dos anos oitenta, com o crescimento económico que resultou da adesão à Comunidade Económica Europeia, depois União Europeia, e às decisões orçamentais que se construíram naquela altura, muitas no sentido de aumentar a despesa pública; no final dos anos noventa, com a descida das taxas de juro e a acomodação, também mais uma vez do lado da despesa, dessas boas condições financeiras que resultavam do processo de criação e de adesão à área do euro, vemos que estas decisões - a prazo, porque o sol brilha durante umas horas - levam a que quando as taxas de juro aumentam, quando as condições económicas se tornam mais complicadas, ainda que ciclicamente, a dívida torna-se insustentável e o país tem dificuldade em encontrar o tal porto seguro onde possa continuar a usar todos os instrumentos de política orçamental de que gostamos.

Depois aparecem períodos um pouco mais difíceis em que as decisões que se tomam são decisões muitas vezes tomadas perante exigências que não têm uma formulação muito adequada àquilo que são as condições da economia e da sociedade portuguesa, como as que tomámos, por exemplo, nos últimos anos durante o programa de ajustamento e que levaram a uma emigração maciça de portugueses.

Portanto, o senhor está a preparar o país para um eventual choque com uma realidade desse género?

O país tem de estar preparado para isso. Neste momento temos em Portugal o défice orçamental que é o décimo maior da área do euro, o que significa que há países muito mais bem preparados do que nós para resolver e reagir a essas situações e, de todos, só dois é que têm uma dívida maior do que a portuguesa. Nós não podemos - e é essa a mensagem que tenho tentado passar - desaproveitar esta oportunidade, num contexto que não é nem de despesismo nem de austeridade, porque a austeridade é quando cortamos durante períodos de recessão económica e nós não estamos rigorosamente nesse cenário e devemos aproveitar esta situação.

Mesmo correndo o risco de fragilizar o acordo com os partidos à esquerda?

De novo, não vejo razão nenhuma para fragilizar o acordo por isto que lhe estou a dizer: nós cumprimos do lado da despesa o Orçamento de 2017, e aquilo que estava registado no Programa de Estabilidade do ano passado, quase à risca. Foi executada 99% da despesa que estava prevista, mesmo em áreas onde o Governo tem sido muito criticado, eu diria injustamente, mas é em causa própria. Na área do investimento ficámos apenas a 2% da execução da meta orçamental, num contexto em que os fundos comunitários ainda não estão a chegar na velocidade de cruzeiro aos projetos que temos aprovados e lançados na administração pública.

Ou seja, nós temos cumprido o que está no Orçamento e tivemos a felicidade de que as medidas que tomámos terem tido um impacto até maior do que o esperado na economia, no mercado de trabalho e isso é muito bom. Estamos obviamente a beneficiar também de um enquadramento externos que já tínhamos previsto que fosse favorável e que se veio a concretizar como sendo favorável. Portanto, não há lugar nem a lamentos nem a complacências, vamos continuar a implementar o que tínhamos no programa de Governo e, pela primeira vez, todas as contas, todos os números que foram divulgados naquela altura foram sujeitos a grande escrutínio.

Tem havido muita fricção entre si e o ministro da Saúde, por exemplo? Gostou de o ouvir dizer no Parlamento que somos todos "Centeno" no Governo?

Não há nenhuma fricção. A gestão orçamental e financeira, em todas as organizações, em todas as instituições, é complexa, tem de responder a múltiplas prioridades. Por isso é que quando somamos os números todos vemos que cumprimos na execução do Programa de Estabilidade do ano passado para 2017 e também podemos dizer que na área da saúde ficámos 300 milhões de euros acima daquilo que tínhamos previsto.

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