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"Perguntei como abriria esta audição. E vocês acabaram de ouvir o resultado." A voz que se escutara era igual à do senador Richard Blumenthal, que preside ao subcomité do Senado dos Estados Unidos da América sobre privacidade, mas não era verdadeiramente a dele. As ideias e as palavras, embora reconhecíveis e respeitadas, na verdade, também não.
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A voz? Sintetizada por Inteligência Artificial (IA) a partir da voz e de discursos do senador.
O texto? Escrito pelo ChatGPT a partir da pergunta: "Como abriria os trabalhos de uma discussão sobre o futuro da regulação da IA perante um subcomité judicial com base em discursos passados meus no Congresso?"
Em menos de cinco minutos tinha feito passar uma mensagem: aos 77 anos, fez uma sala ouvir a sua voz - sem abrir a boca - enquanto transmitia as suas ideias - sem as ter escrito - sobre um mundo para o qual estavam a tentar encontrar regras, mas do qual já beneficiavam.
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O Senado está preocupado com a revolução da IA e sentou-se esta terça-feira com três especialistas para tentar perceber quais são e até onde vão os perigos deste novo mundo, mas também como podem ser controlados os novos poderes que se vão massificando.
O golpe de teatro inicial protagonizado por Blumenthal - ou melhor, pelo que a IA construiu a partir da sua voz e das suas ideias - já deixara a sala inquietada. Aliás, deixou o próprio inquietado ao ponto de comentar: "Isto pode ter-vos parecido engraçado, mas e se [a IA] tivesse apoiado a rendição da Ucrânia?"
Ouça aqui os destaques desta audição.
A sala repleta de senadores com idades maioritariamente acima dos 60 rapidamente assumiu que pouco ou nada sabia sobre IA. Por isso, foram chamados uma alta-funcionária da IBM, Christina Montgomery, um professor universitário, Gary Marcus, e o CEO da OpenAI, a "empresa-mãe" do ChatGPT, Sam Waltman.
É sobre este último que recaem as atenções, até porque prometeu uma tecnologia capaz de fazer o que a humanidade ainda não alcançou sozinha.
"Estamos a trabalhar em ferramentas que um dia podem responder aos maiores desafios da humanidade", conta, "como as alterações climáticas e a cura do cancro".
É certo, reconhece, que os sistemas atuais "ainda não o conseguem, mas tem sido extraordinário ver tanta gente por todo o mundo, a retirar benefícios do que já se pode fazer".
Os riscos, esses, são tão grandes quantos as proezas que o futuro pode trazer, e a IA pode ser utilizada, reconhece, para manipular eleições, para revolucionar o mundo do trabalho, e até pode vir a ser utilizada para iniciar uma guerra.
Waltman respondeu sem grandes contemplações às questões de um outro senador, Kennedy. Quer saber se, entregando coordenadas a um drone que sobrevooe, por exemplo, um alvo ou um carro, "a inteligência artificial pode criar uma situação em que um drone possa selecionar um alvo. Isso pode ser feito?"
A confirmação chegou breve: "Claro", disse Waltman. Mas não sem lembrar que a IA é uma ferramenta e não uma criatura. E como criador do ChatGPT, não tem problemas em reconhecer que é preciso criar um conjunto de regras. Tem três sugestões.
A primeira é criar uma "agência para licenciar algumas áreas de atividade e que possa também retirar essa licença caso não se cumpram as regras".
A segunda é "definir uma lista de procedimentos de segurança para avaliar o grau de risco e definir passos que têm de ser dados antes de libertar quaisquer modelos" de IA.
E a terceira é a realização de "auditorias independentes, por peritos, que possam dizer se esse modelo está ou não a cumprir as regras" definidas.
Dadas as sugestões, surgiu o espaço para o convite: pode o homem do ChatGPT aceitar a tarefa de desenhar o regulador da IA?
A resposta é negativa: "Adoro o meu trabalho atual."