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"As maiores necessidades que continuamos a enfrentar são os limitados recursos económicos que temos para conseguir garantir os serviços básicos. Mas também importa relembrar que é necessária educação, que são necessários meios de subsistência e é muito, muito importante, reforçar a capacidade de identificar as necessidades dos mais vulneráveis, que geralmente têm necessidades muito específicas", disse o português Manuel Marques Pereira, chefe-adjunto da missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Cox's Bazar e coordenador da ajuda de emergência naquela região, em entrevista à TSF.
Manuel Marques Pereira é chefe-adjunto da missão da Organização Internacional para as Migrações, na cidade de Cox's Bazar, no Bangladesh. Chegou há um ano e conta à jornalista Sónia Santos Silva o dia-a-dia com os milhares de refugiados rohingya que ali procuraram abrigo
Em breve será lançado um Plano de Resposta Conjunta 2019, que irá pedir uma ajuda na ordem dos 920 milhões de dólares (cerca de 814 milhões de euros). O último apelo foi lançado em março de 2018 e obteve 69% do financiamento.
Manuel Marques Pereira faz, ainda, um balanço da crise dos refugiados rohingya, indicando que a organização apoiou cerca de 1,2 milhão de pessoas naquela região do Bangladesh durante o ano passado, incluindo refugiados e membros daquela comunidade de acolhimento.
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Desde agosto de 2017, chegaram à zona de Cox's Bazar perto de 713 mil rohingyas, que fugiram da violência e da repressão exercidas pelo exército de Myanmar (antiga Birmânia). A campanha de repressão do exército birmanês contra esta minoria já foi classificada pela ONU como uma limpeza étnica e como uma das crises humanitárias mais graves do início do século XXI.
A maior parte destas pessoas, mais de 620 mil pessoas, estão a viver em Kutupalong, considerado o maior acampamento de refugiados no mundo. Segundo Manuel Marques Pereira, o número total de pessoas que vive nos vários acampamentos erguidos estabilizou no último ano e meio.
"Os números de refugiados nos campos estão estabilizados. Temos, aproximadamente, um milhão de pessoas. O mais importante para nós é continuar a discutir com o governo do Bangladesh e com as comunidades as preocupações e as informações que eles acham necessárias para se conseguir discutir qual será o futuro imediato e a meio prazo", diz o representante.
O último balanço da OIM, divulgado no início de fevereiro, explica que a organização e os seus parceiros realizaram melhoramentos nos acampamentos, incluindo a construção ou reparação de 410 pontes e de 25 caminhos pedestres.
A OIM também construiu sistemas de tratamento e distribuição de água e distribuiu mais de 26 mil kits de higiene. No campo da saúde, a organização ofereceu perto de 1,7 mil consultas diárias, incluindo 470 consultas a crianças. Apenas em janeiro, a OIM ajudou no parto de 273 bebés. Para Manuel Marques Pereira, é importante continuar a falar com a população local para perceber quais são as necessidades e como estas podem ser resolvidas.
"Passado um ano e meio após o afluxo dos refugiados [rohingyas] para o Bangladesh, as nossas maiores preocupações continuam a ser garantir o acesso básico aos serviços, garantir que as populações continuam a comunicar connosco para pudermos entender quais são as suas necessidades e quais são as suas dificuldades", referiu o representante, relatando ainda que irão começar, em breve, os trabalhos de preparação para a época das monções, "um período muito complicado" para a manutenção e para a distribuição dos serviços prestados às pessoas.
Outra preocupação, no dia-a-dia, prende-se com as limitações com que lidam os profissionais e voluntários. Manuel Marques Pereira diz que "o principal desafio é saber onde é que acaba o essencial, e onde começa o acessório. Todos os dias temos de tomar decisões sobre, por exemplo, como manter a equidade para todos os refugiados, mas garantimos que todos os refugiados recebem ajuda".
O êxodo dos rohingyas teve início em meados de agosto de 2017, quando foi lançada uma operação militar do exército birmanês contra o movimento rebelde Exército de Salvação do Estado Rohingya devido a ataques da rebelião a postos militares e policiais.
O Estado de Myanmar, de maioria budista, não reconhece esta minoria e impõe múltiplas restrições aos rohingyas, nomeadamente a liberdade de movimentos.
Desde que a nacionalidade birmanesa lhes foi retirada em 1982, os rohingyas têm sido submetidos a muitas restrições: não podem viajar ou casar sem autorização, não têm acesso ao mercado de trabalho, nem aos serviços públicos (escolas e hospitais).
Da comunidade internacional, Manuel Marques Pereira gostava que houvesse mais empenho. Admite que existe algum desconhecimento sobre a realidade dos muçulmanos rohingyas, a etnia minoritária que existe em Myanmar há vários séculos, mas onde não são reconhecidos como cidadãos de pleno direito...