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Fica na Cova da Iria esta pérola da restauração, aberta em 1987, e mantém-se em operação desde esses tempos épicos em que nem estrada alcatroada havia. Clara e Francisco Gaspar tiveram a ousadia de iniciar aqui um snack-bar, que só dez anos depois viria a transformar-se em restaurante.
Clara cozinha como respira e tudo o que sai das suas mãos faz as nossas delícias. Na pequena e discreta esplanada, a toada é sobretudo petisqueira e vale aqui dizer que se servem os melhores de Portugal. Contenção no sal, sabor no zénite e molho maravilhoso.
Quando chega a época dos caracóis, vale bem a pena ir até este Tim Tim para abastecer a alma e acalmar a gula. Claro que há outros petiscos igualmente deliciosos, como, por exemplo, amêijoas à Bulhão Pato, que Clara faz como ninguém. Percebes, de frescura irrepreensível e sabor a espuma da rebentação. Salada de polvo, daquela que a gente gosta. E camarão frito em azeite e alho.
Nos pratos de peixe, há raia frita, delícia de sempre da chef Clara evocativa do receituário de pescador. Também se faz bacalhau cozido com legumes, como a gente gosta e como está incrustado na alma de qualquer português. E chocos grelhados de ir ao céu e voltar.
Os pratos de carne seguem a mesma lógica, de pratos que apetece muito e no topo das minhas prioridades está a língua de vitela estufada. Quando eu era miúdo, odiava, foi na idade adulta que percebi que era um prato de mil segredos. Feita por quem sabe, é até viciante, e a que a chef Clara prepara é mesmo muito viciante. A carne de porco à alentejana do Tim Tim é de tal aprumo culinário que os olhos ficam húmidos com a emoção. Tem sempre de se repetir a dose. Claro que há bifes e claro que estão cheios de artes mágicas. Aconselho a experiência do bife à casa com queijo e pimenta rosa. Carne criteriosamente selecionada, aprimorada pelos temperos que só a Clara sabe, e trabalho exímio de calor como já não há.
Os doces são de recorte caseiro, intensos no sabor e na textura e, por isso mesmo, difíceis de encontrar noutro lugar. O pudim de ovos apetece muito a toda a hora, a receita é muito feliz e nós ainda mais. O arroz-doce da mestre Clara é daqueles em que sentimos a textura com a língua e está cozido no ponto, e o sabor raia o exotismo. A mousse de chocolate é perfeita, feita com chocolate especial e devidamente emulsionada com os acrescentos que amamos e quase nos atiram para o arquivo das mais doces memórias de infância. Tanto, que quase damos por nós a bater o pé e a fazer birra porque não queremos sair dali. Por isso voltamos sempre.