O comboio que liga o aeroporto de Cracóvia ao centro da cidade é quente, confortável e moderno. No último país da União Europeia, a contar de ocidente para oriente, a Polónia, "a guerra" está a pouco mais de 300 quilómetros. A fronteira continua aberta, mas não há quem a queira atravessar para Leste. O êxodo, que começou na quarta-feira, na direção da Polónia, está "controlado" pelas autoridades polacas. Os ucranianos entram a conta-gotas e só depois de estarem alojados é que se abrem as portas a nova leva. Apesar de o governo polaco ter garantido que todos serão bem-vindos e que vai receber quem chega em oito centros de acolhimento.
No comboio, um homem perto dos 70 fala ao telefone com familiares. Quando desliga, coloca o aparelho em alta voz e fica a ouvir o que parece ser um monólogo. A expressão de tristeza e resignação vai-lhe tomando conta do rosto. Está a ouvir um comunicado do Governo do seu país, a Ucrânia. As palavras são para encorajar os ucranianos à luta à resistência, à resiliência. Mas nem a voz que chega através do telefone parece convencida da mensagem que quer passar, nem o rosto do passageiro sentado no banco do lado responde com um sinal de esperança.
Horas mais tarde, diante do Consulado da Rússia em Cracóvia, são em maior número os polícias que vigiam o edifício do que os manifestantes diante da porta. Não chegam a 20. Entre eles, um casal de ucranianos que viajou para a Polónia de férias e que, agora, já não pode regressar. Há cartazes de Putin com bigode de Hitler, mas os que se juntaram para protestar são tão poucos que não há gritos, palavras de ordem ou qualquer indignação. Apenas preocupação e resignação.
O grupo segue, depois, para a praça principal de Cracóvia. Improvisa o protesto, juntam-se outros tantos, mas as vozes saem fracas, desafinadas, sem vigor. "Quem será a seguir?", perguntam os manifestantes à comunidade internacional, que parece ter deixado os ucranianos sozinhos, abandonados à sua sorte e ao sabor das ordens de Putin.
Em qualquer um dos muitos cafés, com aquecedores, que circundam a praça principal estão mais clientes do que manifestantes anti-Putin e pró-Ucrânia. Os polacos, em tempos vítimas de Hitler, que lhes invadiu o país, destruiu a capital, e deu origem à Segunda Guerra Mundial, parecem pouco importados com o que se passa em casa do vizinho do lado. Apesar de tudo, foram em muito maior número os polacos que compareceram no estádio do Wisla Cracóvia, o principal clube da cidade.
O apelo do presidente do município ucraniano de Liviv , geminado com Cracóvia, para uma doação de alimentos e roupa acabou por ser muito mais eficaz que as vozes de protesto na praça Rynek Glówny. "É uma catástrofe, o que está a acontecer na Ucrânia", resume Milka, uma estudante de 23 anos, que deixou no contentor que seguirá para a Ucrânia papel higiénico, comida e alguma roupa.
Catástrofe. A palavra não foi escolhida ao acaso - é comum a todas as línguas eslavas e tem o mesmo significado para todos os povos à volta da Rússia. E não só.
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