"Ameaças que sofro são comparáveis às do caso Snowden"

Glenn Greenwald, co-autor das reportagens "Vaza Jato", garante, em entrevista à TSF, ter mais material contra Moro para divulgar. Acusa o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de não se importar nada com corrupção e defende que noutro país seria "impensável" o ministro não se demitir.

O jornalista Glenn Edward Greenwald nasceu há 52 anos em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e notabilizou-se por ter liderado, a partir de 2013, a série de reportagens do Caso Snowden, que abalou a NSA, agência de segurança norte-americana, em colaboração com o jornal britânico The Guardian e o americano The Washington Post. Por ter realizado esse trabalho, venceu os prémios Pulitzer e George Polk, os mais prestigiados da América.

Foi personagem do filme "Snowden", de Oliver Stone, e agora é co-autor da série de reportagens "Vaza Jato", através do site The Intercept. Vive há vários anos no Rio de Janeiro e é casado desde 2005 com David Miranda, deputado do PSOL em substituição de Jean Wyllys, que abdicou do mandato por ameaças. O casal adotou dois filhos.

Como acha que as divulgações do The Intercept Brasil refletem na imagem do ministro Sérgio Moro?

Acho que a perceção da população sobre o Moro já mudou. Nos seis dias que passaram desde que começamos a divulgar as reportagens, duas pesquisas mostraram, com números relativamente parecidos, que a popularidade e a aprovação dele já caíram dez pontos percentuais, mas, como é óbvio, como ele ficou durante os últimos cinco anos, com a ajuda dos grandes órgãos de comunicação social, a construir a sua imagem nada vai mudar radicalmente numa semana.

Mas ainda vem aí mais material potencialmente danoso para Moro?

Além de nós termos muito mais material que vamos publicar sobre ele, já estamos vendo os aliados dele na grande comunicação social brasileira a abandoná-lo - como a [revista] Veja, que disse muito claramente que ele violou a lei, ou o Estadão [jornal O Estado de S. Paulo], que disse que ele deveria renunciar. Isso é muito significativo porque são veículos de centro-direita que o apoiaram por muitos anos e que estão a chegar à conclusão que ele fez coisas totalmente erradas. A população mais desligada da política vai demorar um pouco mais tempo a ter a mesma perceção mas acabará por tê-la.

O seu marido (David Miranda, deputado do PSOL) afirmou ter recebido ameaças...

Sim, nós recebemos muitas ameaças. O meu marido já denunciou uma, particularmente feia, ameaçando os nossos filhos, a nossa família, e eu, o tempo todo, estou a sofrer ameaças pelo meu email, assim como o meu marido.

São pressões comparáveis às que recebeu durante o Caso Snowden?

Sim, as pressões parecem-se muito com o Caso Snowden, quando o governo norte-americano e o do Reino Unido estavam a toda a hora afirmando que nós éramos criminosos, simplesmente porque estávamos informando graças a uma fonte que eles achavam que roubara documentos. Agora, passa-se a mesma coisa com o ministro Moro, a chamar-nos constantemente de aliados de hackers. São muitas ameaças, em suma: ameaças de morte, principalmente anónimas, mas também ameaças do governo, tentando pressionar-nos e espalhando que nós somos criminosos só porque estamos fazendo jornalismo.

A Lava-Jato não é positiva para o Brasil? É contrário a operação?

Ninguém pode levantar essa acusação de que sou contra a Operação Lava-Jato porque em 2017 eu fui como palestrante a um evento no estrangeiro que atribui 100 mil dólares a pessoas que lutam contra a corrupção e entre os três finalistas estava a task force da Lava-Jato. Nessa altura, a esquerda em geral e os petistas [apoiantes do PT, partido de Lula da Silva ou Dilma Rousseff] em particular pressionaram-me a boicotar o evento mas eu fui mesmo assim e defendi e elogiei a operação. O procurador Deltan [Dellagnol] e outros três ou quatro membros da Lava-Jato viajaram também, acabando por não ganhar - a vitória foi para um jornalista do Azerbaijão. Mas o que quero destacar é que ele, o Deltan, publicou nas suas redes sociais o meu discurso e disse que "o renomado jornalista Glenn Greenwald fez um discurso muito importante sobre o nosso trabalho na Lava-Jato".

Então, considera-se a favor dela?

Também ninguém pode dizer que eu sou contra a Lava-Jato porque sou de esquerda, etc., até porque eu já apoiei muitas pessoas de direita também. O que eu acho é que nós estamos fortalecendo a Lava-Jato e a luta contra a corrupção porque estamos revelando a corrupção dentro da própria Lava-Jato. Esse lado da operação precisa ser limpo para, dessa forma, o processo da Lava-Jato vir a ter mais integridade e credibilidade.

Nos Estados Unidos, o seu país de origem, acredita que um juiz que toma parte seria obrigado a demitir-se?

É impensável noutros países que qualquer juiz apanhado a fazer as coisas que Moro fez consiga manter-se em qualquer cargo público, muito menos um cargo público com tanta importância como o de ministro da Justiça, mas obviamente o presidente Jair Bolsonaro não se importa nem um pouco com corrupção, ele e a família dele são bem ligados a milicianos, já temos muitas provas sobre isso. E, mais ainda, o Moro é muito importante para a legitimidade do governo Bolsonaro.

Ainda acredita na demissão de Moro?

Vamos ver o que vai acontecer depois de divulgarmos mais coisas de tudo o que Moro fez, se ele pode sobreviver, mantendo-se num cargo público. A grande comunicação social brasileira, que ficou cinco anos aplaudindo-o, festejando-o, homenageando-o, agora virou, isso mostra que o futuro dele não é muito otimista e que a imagem dele já foi muito manchada com as divulgações já conhecidas.

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