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No outono de 2019, pouco antes de as fronteiras começarem a encerrar, uma associação internacional de jornalistas decidiu tomar como tema de investigação o que a China estaria a planear. Era, aliás, uma questão recorrente no debate de ideias entre os jornalistas. O que então descobriram surpreendeu-os. O jornal The New York Times conta que repórteres de países tão pequenos quanto a Guiné-Bissau foram abordados para assinar acordos com órgãos de comunicação social chineses.
O Governo da República Popular da China distribuía, nessa altura, versões do seu jornal de propaganda China Daily em inglês e em sérvio. De acordo com o New York Times, um jornalista filipino estimou que mais da metade dos conteúdos do noticiário nacional filipino tinham origem na agência estatal chinesa Xinhua. Um grupo de media do Quénia recebeu dinheiro de investidores chineses e, em seguida, demitiu um colunista que escreveu sobre a repressão chinesa à minoria uigur. Também jornalistas no Peru enfrentaram um escrutínio intenso nas redes sociais, proveniente de funcionários do Governo chinês.
Mais do que casos locais isolados, a estratégia passava por criar um grupo de media global, dominada por órgãos como a BBC e a CNN, para injetar dinheiro e poder chineses, bem como projeção mediática em quase todos os países do mundo. O que os jornalistas procuravam saber era de que forma a China tencionava usufruir da sua influência.
A Federação Internacional de Jornalistas vai divulgar esta quarta-feira um relatório que, segundo o jornal norte-americano, "revela uma ativação da infraestrutura de media implantada pela China em todo o mundo". Louisa Lim, autora do relatório, expôs ao NYT que, "à medida que a pandemia se começou a espalhar, Pequim utilizou a sua infraestrutura de media globalmente para semear narrativas positivas sobre a China, bem como para empreender novas táticas, que passavam pela desinformação".
No relatório, é descrito ainda: "A diplomacia chinesa foi retratada da melhor maneira possível. Jornalistas italianos revelaram que foram pressionados a publicar o discurso de Natal do Presidente Xi Jinping e receberam uma versão traduzida para o italiano. Na Tunísia, a embaixada chinesa ofereceu desinfetante para as mãos e máscaras ao sindicato dos jornalistas, e equipamentos de televisão caros e conteúdo pró-China gratuito à emissora estatal."
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Na Sérvia, um tabloide patrocinou um cartaz com a imagem do líder chinês e a frase: "Obrigado, irmão Xi."
Os media e as campanhas de vacinação estão ligados através de uma campanha de investimento global - "Belt and Road" - financiada pela China, na qual o apoio chinês é cedido com contrapartidas, tais como dívidas e compromissos de apoio em votações importantes nas Nações Unidas.
Alguns governos começaram a dificultar a tarefa para os media estatais chineses, impedindo que funcionem no seu território. O regulador da comunicação social da Grã-Bretanha revogou a licença da principal emissora estatal chinesa. Grande parte da diplomacia chinesa está focada em lugares que, embora não tenham a influência cultural ou financeira dos países europeus, têm direito a voto na ONU. Os esforços da China têm tido um impacto global, defende o relatório da Federação Internacional de Jornalistas.
Outra das estratégias adotadas pela China tem sido a proibição de correspondentes estrangeiros no seu território, para que a informação internacional esteja dependente das fontes do Governo. Os vistos têm também sido negados a jornalistas norte-americanos, por exemplo.
A empresa italiana de média Mediaset não tem correspondente próprio na China, mas estabeleceu um contrato formal com órgãos de comunicação estatais para reportar a partir da China. A cooperação chegou ao fim, porém, depois de a empresa ter divulgado a teoria de que o coronavírus teria tido origem numa fuga de um laboratório chinês.
Também um relatório da Freedom House, uma associação norte-americana sem fins lucrativos que defende a liberdade política, relatou, em 2020, que Pequim estava a gastar "centenas de milhões de dólares por ano para transmitir as suas mensagens para audiências de todo o mundo".
