Em dez anos de guerra na Síria, "pai dos mártires" perdeu 13 filhos

Abdel Razzak Khatoun recusa baixar os braços e deseja que seja feita justiça.

Em dez anos de guerra na Síria, Abdel Razzak Khatoun perdeu 13 filhos e a sua segunda mulher, encontrando-se, aos 83 anos, com 11 netos para criar.

Apesar da miséria e dos sucessivos deslocamentos, "Abu al-Shuhada" (pai dos mártires) como é chamado pelos que o rodeiam recusa baixar os braços e sonha que será feita justiça, reporta a agência France Presse.

Khatoun partilha com a família de 30 pessoas quatro tendas improvisadas montadas no meio dos olivais da aldeia de Harbanouch, perto de Idlib, o último grande bastião rebelde no noroeste da Síria.

Cigarro na mão, voz grave e olhar severo, o idoso vigia um grupo de jovens, que fazem os trabalhos de casa sentados em finos colchões de espuma.

"O que é que estudaram hoje?", pergunta o patriarca, de barba branca e áspera e 'keffiyeh' (tradicional lenço de xadrez palestiniano) vermelho, cercado por crianças que transportam os livros em mochilas azuis com o logótipo da UNICEF.

"Aprenderam a lição?", continua, antes de os miúdos responderem em uníssono.

Originário da região central de Hama, Khatoun recorda-se da calma vida de agricultor antes da guerra desencadeada em 2011, com as suas três mulheres e os seus 27 filhos, entre os oito e os 38 anos.

"Desde o início da revolução dei sete mártires", confessa. "Combatiam com o Exército Livre da Síria contra o regime", conta, referindo uma das primeiras coligações rebeldes que lutaram contra o poder de Bashar al-Assad.

Ele tenta, mas não consegue lembrar-se das datas das batalhas fatídicas. Em 2020, o luto voltou à família, que se refugiou temporariamente num posto de abastecimento de Saraqeb, na província de Idlib.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos evocou um ataque aéreo russo realizado em 23 de janeiro. Khatoun, que perdeu uma mulher e seis filhos no ataque, mostra no telemóvel um vídeo da retirada dos mortos e dos feridos e não consegue reter as lágrimas.

"Num instante, perdi-os todos", diz.

Fazem parte das 388.000 pessoas, incluindo mais de 117.300 civis, mortas durante a guerra desencadeada com a repressão de manifestações pró-democracia e que entra na segunda-feira no seu 11.º ano.

Apesar da dor, Khatoun declara-se orgulhoso e mantém "a cabeça erguida" graças aos filhos. Repete as palavras "sacrifícios", "vida digna" e "defesa da terra" e mostra que as suas convicções não foram abaladas pelas vitórias sucessivas do poder sírio, que controla agora dois terços do país graças ao apoio da Rússia e do Irão.

"Perdi homens no auge da vida [...]. Moro numa barraca, mas quero que lhes seja feita justiça", afirma.

À hora do almoço, sentados num círculo, os 11 netos, o mais velho dos quais com 14 anos, partilham três tigelas colocadas numa bandeja de ferro. As azeitonas e pedaços de pão embebido numa mistura de azeite e 'zaatar' (mistura de especiarias incluindo tomilho e sésamo) são engolidos avidamente.

Num país onde 60% da população sofre insegurança alimentar, a família sobrevive sobretudo graças a doações.

"Um dia passamos fome, outro dia temos de comer", refere o octogenário, demasiado velho para trabalhar.

Alguns dos seus filhos estão refugiados no Líbano, outros na Turquia, e mal ganham para viver, mas Khatoun espera uma vida melhor para a próxima geração.

"Sonho que os meus netos possam viver dignamente, que tenham uma casa em vez de uma tenda, um carro. Que tenham uma vida feliz, mas que se lembrem dos sacrifícios do seu pai para defender a terra", diz ainda.

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