Martins da Cruz: "Crise na Ucrânia reforçou a NATO"
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Martins da Cruz: "Crise na Ucrânia reforçou a NATO"

Antigo embaixador de Portugal na NATO e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros afirma à TSF que "esta guerra reconfigura os poderes no mundo" e reforça o eixo Pequim-Moscovo. Para Portugal a boa notícia é que "os americanos redescobriram o valor estratégico da Base das Lajes".

O embaixador António Martins da Cruz nasceu em Lisboa, há 75 anos. Estudou Direito em Lisboa e na Suíça, entrou na carreira diplomática com 26 anos, foi ministro dos Negócios Estrangeiros com Durão Barroso, em 2002 e 2003, mas tinha já uma larga experiência política como assessor diplomático do primeiro-ministro Cavaco Silva. Foi embaixador de Portugal na NATO, na União da Europa Ocidental, que durante anos foi o mais próximo que existiu de um braço armado da União Europeia.

Portugal e a União Europeia estão hoje em guerra com a Rússia?

Não, não estamos em guerra com a Rússia porque a União Europeia, que eu saiba, não está em guerra com ninguém, a não ser com as multinacionais a quem quer sacar mais dinheiro de impostos. A NATO é que poderia estar e não está. A Ucrânia não é membro da NATO e, portanto, não podia invocar o artigo 5º que diz que quando um país aliado da NATO é atacado, é como se fossem todos atacados e todos têm de ir socorrê-lo e defendê-lo. Para usar uma expressão muito simples, nesta operação militar russa, a Ucrânia está entregue à sua sorte e tem de se defender sozinha.

Então para que serve a corrente de solidariedade dos países europeus para com a Ucrânia e ucranianos?

Serve por várias razões. Uma delas é porque a federação russa e o senhor Putin socorreram-se de instrumentos que violam a legalidade internacional e que são contra o direito internacional. Hoje em dia, a Carta das Nações Unidas é muito clara, a OSCE, todas as convenções que a Rússia assinou, a construção do direito internacional - sobretudo depois da última guerra mundial -, proíbe e exclui ações militares. Não se pode ter razão com força, pode ter-se razão com direito e, manifestamente, a Rússia tendo uma visão - a meu ver e a nosso ver -, deturpada do que é o direito internacional, arranjou uma justificação para estas operações militares. Portanto, há primeiro que condenar as operações militares, o que fizeram todos os países da União Europeia e também Portugal e os países da NATO. Em segundo, é tentar repor a legalidade internacional e, terceiro, manifestar solidariedade para com o Governo e o povo da Ucrânia, que está a ser objeto de uma operação militar não justificada em termos internacionais e contra o esquema de segurança internacional. Não podemos é enviar forças militares para ajudar a Ucrânia. E não podemos porquê? Do ponto de vista legal, não são membros da NATO.

E o que é que estamos a fazer? Primeiro, a tentar a contenção do conflito e isto faz-se com declarações, com solidariedade, condenando a ação russa e, por outro lado, montando um dispositivo de dissuasão nos países que fazem fronteira com a Rússia, que são os três bálticos, e nos quatro países que fazem fronteira com a Ucrânia, portanto, a Polónia, a República Checa, a Hungria e a Roménia. Todos estes sete países são, ao mesmo tempo, membros da NATO e da UE.

Até há poucos dias, eram poucos os que acreditavam numa guerra. O que é que se passou? Putin enganou tudo e todos?

É uma excelente pergunta. É preciso saber qual é a lógica de decisão do senhor Putin. Quando em diplomacia ou num negócio nos sentamos à mesa, o ideal é que saibamos qual é a lógica da decisão de quem está do outro lado, para podermos adaptar a nossa própria estratégia a essa lógica de decisão. O que nós vimos foi que, durante todo o período que antecedeu as operações militares, a invasão, o senhor Putin marcou o ritmo. E marcou o ritmo num ponto fixo, ele esteve sempre em Moscovo, os outros é que lá iam em romaria ao beija-mão. O senhor Scholz, o senhor Macron, todos os outros que lá foram, e ele não saía dali, nem o ministro dele, o senhor Lavrov, estava em Moscovo e ele dispunha do tempo. O que é que nós podemos concluir daí? Podemos concluir que, primeiro, o senhor Putin tinha vindo a preparar isto há muito tempo, tinha vindo a preparar as forças armadas russas - não se esqueçam que as forças armadas soviéticas tinham sido derrotadas no Afeganistão com a implosão do império soviético e a queda do muro -, e, portanto, qualquer general ou mesmo qualquer sargento, vendia as armas russas, e os negociantes de armas ilegais fizeram fortunas nessa altura. E o senhor Putin, que nos últimos 20 anos, ora era presidente, ora era primeiro-ministro - alternando com Medvedev -, e agora presidente dadas as alterações constitucionais que ocorreram, foi reconstruindo as forças armadas russas. E ele é que decidiu qual era o momento de desencadear esta operação, mas simplesmente ele era o único que tinha a chave na mão, era ele que marcava o ritmo e continua a marcá-lo. Ele achou que era a altura e depois arranjou várias justificações: primeiro, a interpretação histórica, segundo ele, do que é a Ucrânia; em segundo lugar, as preocupações geoestratégicas.

Falou em desmilitarização e desnazificação.

Isso são termos para consumo interno. Aliás, como os discursos do senhor Biden, do senhor Macron, do senhor Scholz. Putin achou que era o momento, por razões geoestratégicas, e falhou completamente a diplomacia europeia, as idas e vindas a Moscovo e a Kiev não resultaram nada. Também aí não podemos separar a parte interna, porque o senhor Macron tem eleições em abril e não aparece numa posição confortável nas sondagens.

E Biden também terá eleições.

Biden terá eleições em novembro para renovar o Congresso e um terço do Senado, e está abaixo nas sondagens. O senhor Scholz substituiu, ao fim de 16 anos, a senhora Merkel e tem de se afirmar. Além disso, também houve outro erro da parte americana ou, pelo menos, uma reação não calculada. O que é que fez o senhor Biden? Decidiu seguir a estratégia que tinha sido seguida pelo presidente Kennedy, no princípio dos anos 60 com a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, o disclosure da informação. Ou seja, a informação recolhida pelos serviços de inteligência foi posta à disposição dos media e da opinião pública. Fez o disclosure, em vez de fazer negociações discretas como tinha feito Obama, Clinton, Bush pai e Bush filho.

Foi um erro de Biden?

Não resultou com Putin porque Putin, como disse, não tem preocupações eleitorais internas e não tem uma opinião pública, nem uns media com o peso que nós temos no ocidente.

Um erro de cálculo? Ou Putin enganou-nos a todos?

Acho que não nos enganou. Os americanos podem dizer "eu avisei há um mês que ele ia fazer isto". Putin achou que as circunstâncias internacionais e o facto de ver que os europeus iam em ordens separadas e que Biden tinha escolhido uma estratégia negocial que ele não aprovava, ele achou que tinha as condições e achou que dispunha do armamento necessário para fazer esta operação sem matar muita gente, o que tem vindo a acontecer.

O nível de sanções têm vindo a aumentar, mas não é de aplicação imediata. Será o suficiente para conter Putin já?

As sanções são uma resposta after, ou seja, como nós aliados da NATO, Portugal incluído, não podemos ir defender a Ucrânia, temos um sistema de sanções que é castigar economicamente o agressor, o adversário. As sanções têm vários problemas. Um deles tem a ver com a Rússia. Primeiro a Rússia constituiu reservas importantes, penso que neste momento as reservas russas andam por mais de 500 biliões de dólares. O senhor Putin que, penso eu, tem vindo a preparar estas ações há muito tempo, e esperemos que não faça outras, constituiu reservas importantes, portanto, pode resistir. Depois, na Rússia o efeito das sanções é assimétrico, o povo tem, obviamente, consequências muito negativas, mas as elites e os quadros dirigentes terão consequências menores, muito menores. Depois, as sanções têm um efeito boomerang sobre quem as decreta, e as consequências económicas são, por exemplo, na energia, ou seja, 17% do petróleo e do gás que a Europa importa vem da Rússia, e no caso do gás 38%. O que é que isto vai fazer? Vai fazer com que o preço da energia, do petróleo e do gás, como já se está a sentir - o barril de petróleo ontem atingiu 105 dólares o barril -, vai subir e a subida do preço da energia vai agravar os custos da mobilidade. E não falamos apenas das viagens aéreas, mas do próprio transporte de mercadorias - do qual dependemos -, por contentores. O preço do contentor vai subir muito, a indústria consome muita energia e a Rússia é um exportador de commodities, de matérias-primas para indústrias tecnológicas, também o agroalimentar, portanto, o preço da comida.

Essas consequências chegarão, naturalmente, a Portugal?

Chegam de certeza, vamos sentir imediatamente: a inflação vai subir porque os preços aumentam e, portanto, isto significa que tempos depois - e não muito tempo depois -, vai acelerar-se a subida dos juros. Os juros que os portugueses pagam para comprar carro, para comprar casa, para comprar um frigorífico, vão subir os juros e vai subir a dívida pública. E a nossa dívida pública anda pelos 130% do PIB. Vai subir a dívida das famílias e empresas. Estas são as consequências das sanções. Ainda por cima, se a Rússia fechar a torneira do gás, e como o Nord Stream 2 não foi aberto e o Nord Stream 1 tem capacidade, muito do gás passa pela Ucrânia e a Ucrânia cobra pela passagem do gás um bilião e meio de dólares por ano e que vai deixar de cobrar se a Rússia fecha a torneira. Portanto, é o efeito boomerang das sanções, ou seja, não dá para durar muito tempo.

Ou seja, as sanções não podem ser eternas?

Não, não podem ser eternas. Mas, obviamente, o senhor Putin e conselheiros pensaram nisto. Ele não foi apanhado desprevenido, até porque já tinha havido sanções quando ele ocupou a Crimeia, que não deram resultado. E vai impor contrassanções e, talvez por isso e não sei se repararam, uma das sanções que poderia ser mais importante do ponto de vista económico, era retirar a Rússia do sistema de transferências bancárias internacionais do sistema SWIFT.

O bloqueio do SWIFT poderá ser a próxima arma?

Não sei se terá efeito por duas razões: primeiro, porque a Rússia há uns meses largos entendeu-se com a China e criou um SWIFT especial - que não se chama SWIFT -, para transações com a China. Como a China está fora, isto permite fazer triangulações e permite fazer negócios. Além disso, o SWIFT não tem eficácia com moedas digitais que são cada vez mais importantes, já há o Yuan digital, o Banco Central Europeu está a pensar no Euro digital, há o Bitcoin de que todos nós já ouvimos falar, seguramente a Rússia está a pensar no Rublo digital, portanto, se quiser a moeda digital permite fazer grandes transferências bancárias, não detetáveis.

A ideia imperial sempre foi a bússola de Vladimir Putin?

Não sabemos, era preciso perguntar-lhe. Há uma coisa que sabemos, que é um presidente que está lá há muitos anos, tem a experiência dos serviços de inteligência, onde começou a carreira profissional, e está muito bem preparado.
É o senhor Putin está a desenhar a Ucrânia que se vai sentar à mesa das negociações com o status quo atual. E com certeza que ele vai trazer para as negociações as sanções: "Querem negociações? Então, ocidente, levantem as sanções à Rússia, senão, não negoceio".

O que é que levará os EUA, ou outras potências, a colocar tropas no solo da Ucrânia? Não acontecerá?

Nestas condições não. Não acredito, porque isso seria alargar o conflito e o próximo passo era nuclear e isso nós não queremos e suponho que nem a Rússia quer, porque era a destruição mútua.

Mas a Rússia não vai recuar e retirar as suas forças...

Exatamente. É por isso que as forças de reação rápida da NATO, incluindo portuguesas, vão ser projetadas - nas doutrinas da flexibilidade que tem a NATO -, para os países que fazem fronteira com a Ucrânia e com a Rússia. Nos bálticos tivemos já F-16, nos tempos recentes.

Biden afirmou: "não vamos entrar em conflito na Ucrânia". Alguns críticos têm dito que deveria ter ido mais longe. Concorda?

Não podia ir mais longe, porque se ele puser tropas na Ucrânia dá o último passo antes da utilização de armamento nuclear que é a única coisa que resta. Seria inimaginável - não se esqueça que para os americanos isto significa projetar forças a 5000 km contra os russos que estão ali -, e não vai projetar 170 000 soldados, por muito que sejam agora os vetores que existem para essa projeção. Aliás, para Portugal, até foi muito bom que Biden tenha dito isso, porque Trump nunca o disse, foi a duas ou três cimeiras da NATO e nunca falou do artigo 5º.

E para Portugal foi bom porquê?

Tivemos a garantia, mais que uma vez, de que se acontecer alguma coisa em Portugal o artigo 5.º funciona. A nossa defesa e segurança depende da NATO, ou seja, depende dos Estados Unidos. Como eu costumava dizer quando lá estava, se a NATO fosse uma empresa comercial, tinha um acionista com 90% das ações que se chama Estados Unidos. O guarda-chuva que protege Portugal é o guarda-chuva nuclear americano, e o presidente anterior, durante 4 anos, não fechou o guarda-chuva, mas não disse que o abria. Este disse que podemos estar descansados porque ele abre o guarda-chuva.

Outra coisa boa para Portugal é que, felizmente, os americanos redescobriram o valor estratégico da Base das Lajes.

Anteriormente tinham passado esse valor estratégico para o sul da Península, para as duas bases que têm no sul de Espanha, e retirado valor estratégico aos Açores. Agora deram-se conta de que os Açores ainda são importantes, quanto mais não seja como estação de combustíveis, daí os F-16 e F-18 que se viram ontem nos Açores e os aviões cisterna que levantam dos Açores para abastecer lá em cima e vêm cá abaixo meter mais. Os Açores mesmo que sejam uma estação de serviço sofisticada, têm um valor estratégico e ainda bem que os Estados Unidos o estão a reconhecer.

Como comenta a posição da China ao não reconhecer a invasão da Ucrânia pela Rússia?

É muito simples. A China tem sido o parceiro silencioso. Fizeram como é costume, a diplomacia chinesa é muito cautelosa e, em muitos casos, faz lembrar a diplomacia do Vaticano na cautela que tem e até no timing. Porque enquanto para nós, diplomatas do ocidente, o tempo é importante, para a China e para o Vaticano, por razões completamente diferentes, o tempo não tem tanta importância. Mas a China tem sido muito cautelosa, não se esqueçam que o pretexto do senhor Putin para iniciar operações militares foi a pedido das duas repúblicas independentistas e, portanto, entrou. Para a China isso tem importância pelo seguinte: tem importância positiva e importância negativa, porque o grande objetivo, não só do presidente Xi Jinping, nos últimos 40 ou 50 anos é Taiwan.

A China de Xi poderá aproveitar este movimento da Rússia de Putin para avançar sobre Taiwan?

Já lhe vou responder a essa questão. Mas a China negociou com os ingleses Hong-Kong e com os portugueses Macau, para constituir zonas especiais por 50 anos para provar ao povo de Taiwan que não tem perigo nenhum. O exemplo de Hong-Kong e de Macau continua, um com casinos, o outro com instituições financeiras, etc. Mas Taiwan não é independente. Quando os Estados Unidos aceitaram que Taiwan fosse substituído pela República Popular da China nas Nações Unidas, houve um entendimento de que Taiwan faz parte da China, ou seja, tem um governo autónomo, mas faz parte da China. A China não pode invocar o precedente das repúblicas do leste da Ucrânia para ocupar Taiwan, porque declararam independência, e a China não quer que Taiwan declare independência, e bem, porque mantém o status quo. Taiwan tem importância. Os chineses são muito prudentes e eu não penso que o vão fazer, mas seguramente tomaram nota que não houve reação dos EUA nem dos países europeus às operações militares.
Depois, a China lucra, de um ponto de vista geoestratégico, porque com esta operação tiraram o foco geoestratégico do Pacífico e passaram-no para a Europa. De modo que a China respira, a China que a administração anterior [americana] e esta administração declarou "o grande inimigo, grande adversário da China, do ponto de vista estratégico, comercial, financeiro". Agora estão todos ocupados com a Europa.

Além disso, a China conseguiu uma coisa que Kissinger evitou: como se lembram, Kissinger foi à China negociar a ida de Nixon para o reconhecimento pelos Estados Unidos da República Popular da China. A principal razão, disse Kissinger nas memórias, foi para evitar uma maior ligação da China à Rússia, à União Soviética de então. Ora, com isto Xi Jinping e Putin, prepararam tudo ao longo do tempo, como a visita que ele fez para a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno ao acordo de dez ou doze páginas que assinaram. O ocidente deu pretexto a que a China se aproximasse outra vez da Rússia, contrariando o que disse o Kissinger e o que diz a teoria do mesmo.

Ao ponto de lhes chamarmos (Rússia-China) aliados?

Se a Rússia não vender o gás à Europa, os alemães e os polacos ou vão morrer de frio no inverno ou vão pagar um excessivo preço pelo gás que importam, mas a China importa-lhes todo o gás, já têm um pipeline e já têm previsto construir outro. Portanto, para a Rússia a China dá vazão ao gás, porque a China é um grande consumidor de energia que importa. Além disso, um outro efeito, é que com a sanções, aumenta a capacidade de a China vender commodities e produtos, porque as sanções vão ter um efeito boomerang na nossa indústria, mas não vão ter na indústria chinesa que, ainda por cima, tem produtos baratos.

As sanções são uma oportunidade de crescimento para a China?

Nem mais. E é exatamente o contrário do que queria a administração Biden e a administração Trump que limitou as importações e exportações. Portanto, a China é um parceiro silencioso e está a lucrar com isto. Nós, em Portugal, devemos seguir com muita atenção à China, fomos os primeiros europeus a chegar à China e os últimos a sair em dezembro. E temos com a China uma relação especial, por isso é que há investimentos chineses aqui, porque se sentem confortáveis em Portugal e há que preservar esta relação e esta situação que nós temos com a China. Porque a China já é a segunda maior potência económica mundial, não nos ameaça a nós diretamente e prepara-se para ser, até em valores de PIB, a primeira potência mundial económica nos próximos cinco anos.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, diz que este é um momento de crise de autocracias a desafiar as democracias. E que Putin quer, claramente, pôr em causa a estabilidade da Europa e toda a ordem e paz internacional. Será assim?

Percebo e, provavelmente, se estivesse em funções oficiais também diria a mesma coisa, mas não é propriamente por causa dos valores democráticos, mas mais por razões geoestratégicas. O senhor Putin e a federação russa, estão a pôr em causa a construção de segurança na Europa e isto vai exigir - não nestas negociações imediatas para sorte da Ucrânia -, um trabalho profundo a nível da OSCE e a nível da União Europeia.

Os efeitos desta crise na Ucrânia é que reforçou a NATO, ou seja, havia muito boa gente - até em Portugal -, que questionava para que é que servia a NATO. Agora estamos a ver para que serve. Reforçou, apesar de tudo, o denominador comum nos 27 países da União Europeia, mas também vai ter consequências, por exemplo, na autonomia estratégica e no desenho da bússola estratégica que a presidência francesa quer levar a cabo. Isto porque os franceses, na tese de De Gaulle, querem fortalecer a Europa da defesa para dispensarem, cada vez mais, a NATO e os Estados Unidos, e esta crise vai exatamente em sentido contrário.

Tudo isto vai ter consequências também no desenho de uma nova Europa a curto prazo, mas no desenho da segurança europeia seguramente, e vai ser preciso encontrar um modus vivendi. Vai ser preciso encontrar uma maneira de reconstruir essa segurança - que é aquilo que querem as nossas opiniões públicas -, e, sobretudo, as opiniões públicas dos povos que vivem ali naqueles países que são nossos aliados em fronteira com a Rússia e com a Ucrânia, e que querem segurança, querem paz. Vai ser preciso construir um esquema, uma esfera de segurança, que substitua a que existia hoje, não quer dizer que ela tenha sido destruída, mas foi afetada e é preciso reconstruí-la com novos dados.

Não sabemos, mas temos de saber, quais são as reivindicações que a parte russa vai fazer, não nesta mesa de negociações imediatas, mas naquelas que se vão seguir com certeza. Esperemos que seja possível chegar a conclusões, não só imediatas, mas a médio prazo pela via diplomática e pela via das negociações, porque a via militar e esta operação da Ucrânia provou isso: é perigosa.

Já repararam que não houve praticamente mortos nestas operações militares da Ucrânia, foram 50 ou 60, a precisão dos mísseis russos é extraordinária. A guerra na Ucrânia obriga-nos a ter um sistema de segurança ainda mais sólido porque, se não, por dá cá aquela palha, vai o drone e vai o míssil. Não pode ser.

Portugal deve distanciar-se desta política aparentemente expansionista de Vladimir Putin, em função daquilo que disse sobre a China?

Portugal é um país da UE e um país da NATO e devemos coordenar as nossas posições na área da segurança e defesa com a NATO, bem como na área política, económica, comercial, tecnológica, energias verdes e digitalização no quadro da União Europeia.

Não em circunstância alguma?

Não, não. Aqui não há geometrias variáveis. Nós somos um país europeu e um país Atlântico e, por isso, é que a NATO é importante para nós e a União Europeia é importante para nós.

O que está a acontecer veio para ficar, para alterar o balanço dos poderes do mundo?

Não diria alterar o balanço dos poderes do mundo, mas reconfigurá-los. Há três grandes poderes, os Estados Unidos, a China e a Rússia. O senhor Putin, com esta operação e com a resposta de sanções, com as respostas estratégicas, com as negociações que se vão seguir, conseguiu provar que não é um líder regional, que era o que diziam muitos.
Putin não é um líder regional, é um líder mundial e provou-o agora com isto. Provavelmente, essa foi uma das razões, se não mesmo a razão principal, destas operações na Ucrânia. É a reconstituição do poder político, pela via militar, que teve a Rússia e a União Soviética. O próprio presidente Obama chegou a dizer que Putin era um líder regional, mas não, é um líder mundial e provou isso porque o mundo está suspenso a olhar para ele.

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