Arranca esta terça-feira a cimeira da NATO em Madrid
Cimeira da Nato

NATO e a roleta russa: uma cimeira com lugar na História de uma Aliança que joga o futuro

Multiplicar por oito o número de militares para o flanco leste, continuar o apoio à Ucrânia e assumir a Rússia como principal ameaça sem esquecer a China. Parcerias, segurança alimentar e clima. Vai começar a cimeira da NATO.

E se não resultar? Os líderes dos 30 estados, mais cerca de uma dezena de delegações convidadas para a Cimeira da Aliança Atlântica que esta terça-feira tem arranque formal em Madrid, devem querer fugir da pergunta como o diabo da cruz. E se não resultar? É que a NATO, com o compromisso que da capital espanhola vai sair para multiplicar quase por oito o número de tropas em prontidão elevada para o leste da Europa, joga, de facto, o seu futuro. Uma roleta russa, pois então.

Para Gustav C. Gressel, Senior Policy Fellow, no think tank European Council on Foreign Relations (ECFR), "muitos governos ocidentais - dos EUA à Alemanha - alegaram que a Ucrânia não deveria perder e a Rússia não deveria ganhar esta guerra. No entanto, o ritmo lento na entrega de armas pode colocar em dúvida se eles levam isso muito a sério". Zelensky, o presidente ucraniano, vai certamente clamar por urgência no discurso que fará perante os chefes de governo da aliança militar ocidental.

Gressel entende que "as sanções à indústria de defesa russa para dificultar a sua produção são boas e necessárias. A Rússia é especificamente vulnerável em relação a certos pré-produtos químicos, robôs industriais e instrumentos de controlo de qualidade e transmissões (para todos os tipos de veículos)".

Mas urge criar um sistema com menos lacuna e uma monitorização da implementação das sanções mais eficaz. O investigador do ECFR alerta para a possibilidade de a Rússia poder continuar "a importar projetos-chave sob o disfarce de uso civil ou usando empresas de fachada em países terceiros para adquirir esses produtos ilegalmente". Os países que avançam com sanções também têm, na sua ótica, trabalho de casa a fazer: "Muitos dos países do G7, Alemanha e Itália, por exemplo, têm serviços de inteligência fracos e compartimentados, precisariam reformá-los consideravelmente para poder realmente implementar tais medidas."

Ainda assim, Gressel acredita que "a campanha militar da Rússia provou ser muito mais frágil e fraca do que o previsto. Enfraquecer as suas capacidades ofensivas fornecendo a Kiev as ferramentas para o fazer (tanques, veículos de combate de infantaria, artilharia, defesa aérea) seria a solução mais barata. Além disso, as forças armadas são o recreio e o projeto de estimação de Putin". Por isso, conclui, "a derrota militar reduziria outras ambições geopolíticas".

Sobre as decisões já anunciadas em Bruxelas por Stoltenberg, entende que "expandir a força de resposta da NATO para 300.000 é uma coisa boa no papel, pois forneceria a força para combater o exército russo. No entanto, depois de 24 de fevereiro, vimos a NATO apenas lenta e gradualmente a aumentar a sua presença militar no flanco oriental, e a um ritmo muito mais lento do que uma ativação dos então 40.000 homens da NRF (NATO Response Force, uma força de reação rápida que pode colocar em prontidão e no terreno até 40 mil militares) teria previsto. Agora, formalmente, a NRF nunca foi ativada, mas também se pode supor que, se a NRF estivesse pronta na sua forma e números pretendidos, já teria sido. O subfinanciamento causou baixa prontidão. Se não houver um compromisso sustentado e crescente da Europa Ocidental com isso, a NATO pode simplesmente estar a anunciar demasiado".

Há uma coisa de que Jens Stoltenberg, o secretário-geral da Aliança, não tem duvidas, e que a guerra na Ucrânia já ensinou à NATO... Vale mais cedo do que tarde: "Eu penso que se há alguma lição aprendida com a invasão da Ucrânia, parceiro próximo e altamente valorizado da NATO há muitos anos, é a importância de fornecer apoio cedo: o apoio mais cedo é melhor do que o apoio mais tarde. Portanto, estou feliz que os Aliados da NATO tenham prestado apoio à assistência de treino da Ucrânia de muitas maneiras diferentes desde 2014 sem se intrometer nos seus assuntos políticos internos."

Jens Stoltenberg, na passada segunda-feira, na conferência de imprensa de antecipação da cimeira, ainda em Bruxelas, onde dias antes, numa conversa organizada pelo jornal digital Politico tinha reiterado o compromisso da cimeira com a ajuda à Ucrânia e a quem possa estar mais vulnerável a eventuais agressões russas: "Reforçaremos o nosso apoio à Ucrânia e a outros parceiros em risco. Estou satisfeito que o presidente Zelensky vá discursar na nossa cimeira. A Ucrânia está uma situação crítica e há uma necessidade urgente de intensificar o nosso apoio. Na cimeira, acordaremos um novo pacote de assistência abrangente para a Ucrânia. É composto por projetos concretos para auxiliar no curto prazo, inclusive com equipamentos antidrone, comunicações seguras e combustível. Mas, importante, também estaremos atentos ao longo prazo, inclusive ajudando a Ucrânia a fazer a transição do equipamento militar da era soviética para o equipamento moderno da NATO, aumentando a interoperabilidade e fortalecendo ainda mais as suas instituições de defesa e segurança. Tudo isso se baseia no apoio significativo fornecido à Ucrânia pelos nossos aliados da NATO desde 2014, bem como no treino e equipamento das forças ucranianas, além de ajuda financeira, humanitária e militar. Continuaremos também a fazer mais por outros parceiros vulneráveis às ameaças e interferências russas, incluindo a Geórgia e a Bósnia-Herzegovina, intensificando o apoio político e prático a esses parceiros, para ajudar a reforçar a sua resiliência e evitar novas agressões."

A Finlândia e a Ucrânia vão participar nos trabalhos em Madrid. O secretário-geral conversou na segunda-feira com a primeira-ministra sueca e sublinhou os avanços que considera que os países candidatos estão a fazer para dar resposta ao que o jargão da NATO classifica como "as preocupações de segurança manifestadas pela Turquia". Stoltenberg confirmou que, na quarta-feira, a Finlândia e a Suécia vão participar na reunião a nível de chefes de Estado e de Governo, "para vermos de que forma e onde estamos no processo de adesão".

Mas Stoltenberg não se compromete com prazos: "Estamos a trabalhar intensamente nesta questão para tentar avançar o mais rápido possível. Falamos de um assunto que é de grande importância para a Finlândia e Suécia, mas também para todos os nossos aliados, e em particular a Turquia, sobre o qual manifestou algumas preocupações específicas de segurança. Não farei promessas ou especularei sobre prazos específicos. A cimeira nunca foi uma data limite. Mas é claro que a cimeira acontece. Temos todos os líderes lá. Também temos os líderes suecos e finlandeses. Então, isso dá-nos uma oportunidade de ver quanto progresso podemos fazer."

Ou seja, suecos e finlandeses podem sair daqui sem terem a adesão à NATO completamente resolvida: "Quando diferentes países estão envolvidos no processo, ninguém pode prometer em nome dos outros se e quando chegamos a um acordo. A única coisa que posso prometer é que estamos a trabalhar o máximo possível e o mais intensamente solução o mais rápido possível", justifica o secretário-geral da NATO.

A cimeira começa formalmente esta terça-feira à tarde, mas com trabalhos dos chefes do governo apenas na quarta-feira; antes disso ainda esta terça-feira ao final da manhã um encontro de Jens Stoltenberg com Pedro Sánchez, além de vários encontros bilaterais ao longo do dia e o jantar oferecido pelo rei Filipe VI ao início da noite.

O reforço substancial da prontidão e quantidade de tropas no leste está decidido, bem como o conceito estratégico que vai identificar a Rússia como a principal ameaça de segurança para os países da Aliança Atlântica. As parcerias com outros países, a China e as ameaças que representa à estabilidade internacional, uma partilha de responsabilidades no sentido de um definitivo assumir de responsabilidades em matéria de despesas na defesa (os tais 2%, já uma realidade para vários estados-membros e que deverá ser para os restantes) até 2030, bem como os desafios em matéria de segurança alimentar (agudizada pela invasão russa da Ucrânia) e as alterações climáticas, também farão parte da agenda de trabalhos entre os líderes, esta quarta e quinta-feira.

A avaliar pelas primeiras reações, o ataque com dezenas de vítimas ao centro comercial em Kremenchuk, no centro da Ucrânia, vai certamente pesar nas decisões dos líderes da NATO.

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