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O objetivo do presidente é ter mais poder para impor aquilo que muitos governadores não estão a fazer, isto é, levantar restrições, desconfinar. Isto vale tanto para estados mais pequenos, como o Piauí, como para a Baía ou para o maior do país, o Estado de São Paulo. Os governadores estaduais, que são nesta altura oposição - e nem todos do campo Lula ou PT - têm uma visão das medidas sanitárias necessárias que não é a de Bolsonaro. Perante apoiantes, no domingo, quando estes lhe comunicavam que os governadores estavam a dificultar o que os apaniguados bolsonaristas entendem ser o funcionamento da economia, o chefe de estado deixou escapar a frase: "(isso) está perto do fim".
No Brasil, a declaração de estado de sítio só pode acontecer se o Congresso aprovar por maioria absoluta a proposta do presidente. Poderiam ser prorrogáveis indefinidamente, permite suspender a liberdade de manifestação e reunião, dá luz verde a suspender a inviolabilidade de comunicações e correspondência. Pode aplicar-se, adianta a Folha de São Paulo, a locais onde há quebra da paz social "em locais determinados, ou seja, não tem aplicação nacional. Mas permite a "ocupação temporária de bens e serviços públicos".
Bolsonaro incluiu por diversas vezes as forças armadas nas críticas que faz aos governadores e fala frequentemente em "meu exército", revela a Folha de São Paulo.
O momento é encarado com gravidade no Brasil. A colunista Mónica Bérgamo, na Folha de São Paulo, revela que "a oposição pedirá o impeachment (processo de destituição) de Bolsonaro por cooptação das Forças Armadas". A Folha revela que ao ter chamado para liderar o Ministério da Justiça, um delegado polícia federal, ou seja, alguém ligado à segurança pública, Bolsonaro está a "tentar articular a base policial". Forças bolsonaristas afirmam, ao contrário do que defendem juristas, que o artigo 142 da Constituição autoriza o presidente a intervir sobre outros poderes.
Mas nem o ministro da defesa demitido, Fernando Azevedo e Silva nem outros generais de quatro estrelas estavam com o chefe de estado na tentativa de submeter a Constituição e a ordem democrática. Perante a demissão do general que liderava a Defesa nacional, os três comandantes de ramos colocaram o lugar à disposição, solidários com o demitido e numa rara manifestação de unidade. Diante do movimento dos três comandantes Bolsonaro antecipou-se e determinou as saídas de Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica). Em reunião na manhã de terça-feira, tensa segundo vários relatos na imprensa brasileira, o novo ministro da Defesa, Braga Netto, que chefiava a casa Civil da presidência, comunicou a mudança aos três chefes militares.
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Segundo o portal G1, da Globo, principal empresa de comunicação do país e alvo preferencial dos ataques de Bolsonaro e apoiantes, a "avaliação dos militares é que Bolsonaro se antecipou ao movimento dos generais para evitar sair enfraquecido do episódio junto às três forças". Na noite de segunda-feira, os comandantes tinham debatido "uma solução conjunta. Foi consenso de que era preciso fazer um gesto em solidariedade ao ministro Fernando Azevedo e Silva, que perdeu o cargo justamente por blindar a posição institucional das Forças Armadas, contra interferências políticas. Bolsonaro queria um engajamento maior do Exército em defesa das ações do governo", escreve Gerson Camarotti, colunista do G1, comentador político da GloboNews, do Bom Dia Brasil, na TV Globo, e apresentador do GloboNews Política.
Antes da referida tensa reunião, a expectativa dos militares era que o novo ministro da Defesa, Braga Netto, tivesse um gesto para manter os comandantes da Marinha e da Aeronáutica, mas isso acabou por não acontecer. Já considerada insustentável era a situação do general Pujol, comandante do exército, que há tempos deu o cotovelo quando o presidente lhe estendeu a mão, e que contrariou por diversas vezes o chefe de estado, ao refrear, segundo Camarotti, "a tentativa de politização dos quartéis. Pujol defendeu o distanciamento entre militares e política partidária e tratou a Covid-19 como o "maior desafio da sua geração".
Segundo fontes da Defesa, Bolsonaro sinalizou claramente para a mudança no comando do Exército. Mas Fernando Azevedo e Silva manteve Pujol". Caiu.
Um movimento conjunto de colocar os cargos à disposição pelos três comandantes das Forças Armadas só tinha acontecido uma única vez, em solidariedade ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas aí, em 2009, perante a possibilidade da revisão da Lei de Amnistia, "Jobim fez uma carta e entregou o cargo a Lula. Diante do recuo do então presidente", o ministro e os três generais continuaram em funções.
E agora?
Apesar de não ser uma obrigação legal, historicamente, o Alto Comando de cada uma das Forças Armadas - formado pelos generais mais antigos nas forças armadas e que estão à frente de comandos regionais - envia ao ministro da Defesa três listas com três nomes cada. Dizem os especialistas em Defesa consultados pelo G1 que "normalmente, são elencados oficiais quatro estrelas mais antigos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e que estejam prestes a se aposentar. Essas listas, no entanto, não precisam ser obrigatoriamente seguidas pelo presidente"; ou seja, Bolsonaro é livre para escolher qualquer general quatro estrelas (a mais alta patente). Oficiais ouvidos pelo G1 esperam definição de nomes que não tenham perfil político e não permitam interferências internas".
A ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, seguiu a listaque recebeu. Para o Exército, optou pelo general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. Era o terceiro na lista e sucedeu a Enzo Martins Peri, que tinha estado quase oito anos à frente desse ramo.
Caso Bolsonaro escolha um nome que não esteja quase a reformar-se, logo, mais abaixo no "ranking de antiguidade", os generais "mais velhos automaticamente vão para a reserva, para que não sejam liderados por oficiais mais novos". Segundo oficiais e praças ouvidos pelo G1, "se optar por nomes que encabeçam as listas de antiguidade, Bolsonaro irá provocar menos mudanças" e acabará por demonstrar algo daquilo que muitos comentadores políticos já não veem como possível: o respeito à hierarquia das Forças Armadas, expressando que "não deseja interferir internamente". Se escolher gente mais nova, está a indicar que pode estar a privilegiar quem atenda aos interesses políticos do Palácio da Alvorada. O facto de o escolhido ter estado à frente de unidades estratégicas ou operacionais de cada um dos ramos das Forças Armadas pode também vir a ser um fator de peso na escolha do presidente.
Ao deixar o ministério da Defesa, Fernando Azevedo e Silva afirmou em carta que preservou "as Forças Armadas como instituições de Estado". Em novembro do ano passado, o então ministro e os comandantes das três Forças já tinham divulgado uma nota conjunta em que reafirmaram a necessidade de separação entre Forças Armadas e poder político.
Segundo o portal de notícias da Globo, no Exército, atualmente, os generais mais antigos são Marcos Antônio Amaro, atualmente chefe do Estado-Maior, Paulo Sérgio, chefe do Departamento de Pessoal; Laerte de Souza Santos, Comandante Logístico; José Luiz Freitas, atual Comandante de Operações Terrestres (Coter). Mas outros nomes bem cotados serão Antônio Freire Gomes, comandante Militar do Nordeste e que liderou a segurança institucional do ex-presidente Michel Temer, além de comandante da tropa de elite do Exército, tal como César Augusto Nardi de Souza, atualmente chefe do setor de assuntos estratégicos do Exército e que também esteve à frente do Comando Militar da Amazônia.
E os apoios?
Quem pode estar, hoje em dia, com o chefe de estado? Entre o eleitorado, uma parte da população menos qualificada, com menores recursos, nomeadamente o eleitorado evangélico e principalmente os que foram objeto da ajuda emergencial agora durante a pandemia (embora isso não garanta, por si só, os 30% de base fiel que o presidente aparenta ter, em todos os estudos de opinião), mas também uma parte das forças armadas (há milhares de homens fardados em cargos múltiplos no governo Bolsonaro e ministros chegaram a ser dez), nomeadamente médias e baixas patentes, principalmente do exército, o ramo a que pertenceu o presidente, aliás expulso num caso de indisciplina. Mas uma revolta de capitães hoje no Brasil, ao contrário do que aconteceu na "terrinha" dez anos depois da instauração da ditadura militar no Brasil (faz hoje 57 anos) não seria coisa nobre.