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No dia em que passa um mês desde o princípio do ataque à Ucrânia, consigo finalmente encontrar-me com, Sergey, 44 anos, tenente do exército ucraniano e porta-voz das forças armadas em Odessa. Caminhamos lado a lado, para cruzar o principal checkpoint que permite a entrada na «cidade proibida» - mais de uma dúzia de quarteirões no centro historio que estão fechados, protegidos e vigiados, dia e noite. É dentro dessa quadrícula no mapa da cidade que ficam os principais monumentos: o belo e famoso edifício da Ópera e as turísticas escadas de Odessa. É por aí que se chega ao porto de navios de recreio e cruzeiro, é a zona mais popular, conhecida, fotografada e visitada da «capital» do Sul.
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Uns 200 metros adiante, ele para, e com o dedo indica-me que temos de voltar para trás. Dali para a frente, não é possível avançar. As defesas antiaéreas estão a postos, torna-se uma área militar e, portanto, reservada. A preocupação das forças armadas é proteger, de todas as formas possíveis, a zona mais simbólica de Odessa.
Quando o entrevisto, não tenho grande esperança nas respostas que me possa dar. A prudência, a linguagem militar, a reserva de informação e, sobretudo, a dificuldade em obter opiniões e análises e não, apenas, o relato de factos, anunciam à partida um ato falhado. Mas não. Decorria a cimeira da NATO, em Bruxelas, com os políticos «ocidentais» impecáveis nos seus fatos e gravatas, sentados diante de uma mesa gigante, com água, café e bolachinhas. Em Odessa, Sergey mal dorme, tem a barba por fazer, carrega uma arma, um colete à prova de bala, uma mochila e tem uma garrafa de água no bolso da frente. Antes do começo da reunião, já as declarações iniciais anunciavam quais seriam as conclusões. «A NATO não vai mandar tropas para o terreno», ou «está fora de questão a proteção aérea». O reforço das tropas da aliança, anunciado com pompa, estacionadas ou a caminho dos países que fazem fronteira com Ucrânia não é notícia que anime muito Sergey. «Precisamos de armamento, sobretudo para defesa antiaérea. Ou, então, que fechem os céus», resume. Poucas palavras, mensagem clara, que parece não ter sido escutada na cimeira. O presidente Ucraniano disse o mesmo. «Se não fecharem os céus, podemos ter aqui uma guerra longa», continua ele. O militar admite que o país tem tido «muita ajuda internacional no fornecimento de armas, sistemas de defesa e outro material militar». Mas, e há sempre um mas, «se não fecharem os céus, nada disso é suficiente».
Pergunto se, apesar da ajuda com armas, munições e material militar de defesa e ataque, os ucranianos consideram que estão a lutar sozinhos. Respira fundo, pensa um segundo na resposta, não vá dizer algo que não deve, e diz: «Sim, estamos a combater sozinhos».
A postura e o treino militares não lhe permitem deixar que se perceba mais qualquer expressão: nem de desagrado, nem de revolta, nem de resignação. Mas sim, está dito, os ucranianos, no campo de batalha, aqui em Odessa com duas frentes para vigiar - mar e ar - estão sozinhos contra os vizinhos da Federação Russa.
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Ouça aqui a reportagem do enviado especial da TSF à Ucrânia, Pedro Cruz
Ontem, em Odessa, as sirenes tocaram ao princípio da madrugada e, depois, às seis e meia da manhã. Só quando nasceu o sol se soube das notícias no dia em que se cumpre já um mês de conflito. Cinco mísseis a caminho da cidade tinham sido intercetados e acabaram por cair no mar negro; dois drones russos foram abatidos antes de chegarem ao destino, Odessa. Mas a grande celebração - profusamente divulgada nos média e através dos diversos canais nas redes sociais - tinha a ver com o facto de as forças armadas da Ucrânia terem ferido de morte um vaso de guerra Russo, com uma guarnição de mais de 500 marinheiros. Um primeiro disparo, uma explosão seguida de um incêndio e, depois, vários outros disparos sobre um navio em chamas. Nesta pequena batalha naval, travada entre a madrugada e as primeiras horas do dia, a vitória estava do lado ucraniano. Quando a informação chegou aos telefones dos habitantes de Odessa, sorrisos, abraços, uns momentos de satisfação. E lágrimas. Qualquer vitória que mantenha a cidade a salvo é sinal de mais um dia sem baixas. E, para todos os efeitos, menos um dia de guerra. Mesmo que não haja data marcada, porque as guerras, sabe-se quando começam, mas nunca se sabe quando, e de que forma, vão acabar. Odessa está debaixo de fogo, ameaçada, vulnerável.
Mas, trinta dias depois, permanece inteira.
Apesar dos ucranianos estarem a combater sozinhos.