As sirenes voltaram a tocar em Odessa na tarde desta terça-feira. As lojas e os cafés (os poucos que ainda permanecem abertos) apressaram-se a fechar as portas. "Cá vamos nós outra vez", desabafou um comerciante cansado das rotinas que a guerra trouxe. Mas num pequeno jardim, por baixo dos agitados sinos da igreja, cerca de vinte homens permanecem sentados a jogar xadrez. Os jogos de rua são uma tradição na Ucrânia.
Neste canto do jardim há vários anos que assim é e no último mês, pelo menos, não se alterou: "Vimos aqui todos os dias. Jogamos de manhã à noite. Temos, quase todos, mais de 70 anos. Para passar o tempo só podemos descansar ou jogar xadrez. As partidas começam bem cedo pela manhã e só terminam quando o sol se põe, conta Vasyl, um dos jogadores, sem tirar os olhos do tabuleiro.
Quando as sirenes tocam, estes homens parecem incomodados pelo ruído, mas não perdem a concentração: "Já estamos habituados. Somos todos velhos. Muitos de nós somos antigos militares. Portanto não temos medo". De resto, ainda nenhum dos jogadores habituais abandonou o país, assegura Vasyl.
Mas estes homens não ficam alheios à guerra. Entre os movimentos discute-se também a atualidade. E no topo está por estes dias, claro, a guerra. Se na discussão das jogadas Vasyl é veemente, quando o assunto é a partida jogada no tabuleiro ucraniano, não arrisca prognósticos. "A guerra é mais complicada do que o xadrez", explica. Mas tem uma certeza:
"Ninguém vai sair vencedor, Mas repare que George Soros, em 2016, avisou: "Se a Rússia ganhar, ganha só a Rússia. Se a Ucrânia ganhar, ganha também a Europa, os EUA e ganha a NATO."
Mas Vasyl gostava de que o conflito não passasse de uma partida de xadrez entre os chefes de Estado, até porque nesse caso não tem dúvidas: seria o homem forte de Kiev a ganhar. "Basta olhar para o sentimento mundial. Para a forma como o mundo se posiciona perante um e perante o outro. E percebemos quem tem a melhor estratégia."
Em Odessa, a cidade está pronta para o pior. Pode ser o próximo alvo do exército russo. A baixa está fortificada. Há arame farpado, avisos de campo minado, sacos de areia, ruas interditadas a civis, postos de combate prontos a serem ocupados.
O exército ucraniano prepara-se para a batalha. Mas mesmo que a estratégia de Moscovo saia vencedora e os russos acabem por subir as escadarias de Potemkin agora fechadas aos turistas, Vasyl garante que vai continuar a vir todos os dias ao jardim. "Se os russos vierem: "Provavelmente vou continuar a jogar. Se não se aproximarem muito, se não houver tiros aqui por perto vou continuar a jogar"
Aqui, hoje, ganharam as brancas. "Eram as minhas", dispara Vasyl orgulhoso.