Tráfico e consumo de drogas adaptaram-se às consequências da pandemia

Após o primeiro confinamento, o crime organizado reforçou a presença em redes sociais e aplicações digitais para chegar aos consumidores.

O especialista do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência João Matias afirma que a pandemia trouxe uma nova realidade ao panorama das drogas, mas o consumo e o tráfico adaptaram-se à nova realidade após o primeiro confinamento.

"Maior digitalização dos mercados, a utilização de plataformas de redes sociais, de troca de mensagens encriptadas, o envio de substâncias através de correios, para entrega aqueles que consomem", relata o especialista do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, João Matias, salientando que estas práticas "já existiam antes", mas tornaram-se "mais visíveis durante a pandemia".

Ouvido pela TSF, no dia em que o Observatório das Drogas e da Toxicodependência apresenta o relatório anual, o analista científico desta agência europeia aponta uma quebra no consumo de algumas substâncias. Principalmente devido à mudança de hábitos, nomeadamente o "encerramento noturno".

"Com o fecho de bares, discotecas, [e] a não-existência de festivais de música, para uma vida mais familiar, o interesse por determinadas substâncias mudou também", afirmou, dando como exemplo "a diminuição do consumo de ecstasy, ou MDMA, por também não ser uma substância utilizada em contexto de casa, mas mais no contexto recreativo".

As conclusões constam do relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, que este ano acrescentou um conjunto de novas questões ao estudo anual.

"Será que a pandemia vai aumentar as substâncias consumidas? Será que vai aumentar mais umas ou outras? Será que a restrição nos voos vai aumentar os métodos [e] as rotas de tráfico? O fecho dos serviços de saúde terá um impacto na saúde daqueles que decidem consumir drogas?", são questões que João Matias identifica, e que "fizeram repensar" a forma como foi elaborado o relatório anual.

"Uma das questões em aberto, é (...) ver a médio e longo prazo o impacto nos mercados e nos consumidores", afirma João Matias, admitindo que "muitas" das práticas de adaptação à nova realidade "se irão manter".

"Mas é inevitável voltarmos a ter alguns dos comportamentos anteriores, como o método de compra na rua, com o "dealer" já conhecido, porque nessas relações sociais e de troca de bens, existe também uma componente que já existia antes, de confiança", aponta, convicto que "muito disso irá voltar".

Em certa medida, "já se verificou no ano passado", quando as medidas restritivas "começaram a aligeirar um pouco nos países europeus, já vimos um aumento dos consumos muito comparáveis aos registados em anos anteriores, contando um pouco ao que era antes da pandemia".

A publicação deste ano procura uma abordagem sobre "lições a serem retiradas do relatório, a pandemia da Covid-19 e o fenómeno da droga na Europa", refere uma nota do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.

"O relatório apresenta a mais recente panorâmica sobre a situação da droga na Europa", procurando analisar as "tendências e evoluções", com base em dados de 29 países, que incluem a UE27, e a Turquia e Noruega.

Em simultâneo, a agência publicará uma análise sobre o consumo na Europa das novas benzodiazepinas, substâncias psicoativas, de efeitos tranquilizantes.

"Houve alguma disrupção nos mercados no início da pandemia, mas depois rapidamente recuperaram"

João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), afirma, em declarações à TSF, que os dados divulgados pelo Observatório Europeu têm correspondência em Portugal onde também houve uma adaptação do tráfico de droga aos tempos de pandemia.

"Aquilo que foi referido como os pontos mais relevantes nesta apresentação também se verifica em Portugal. Houve alguma disrupção nos mercados das substâncias que circulavam em Portugal no início da pandemia, sobretudo com o confinamento, mas depois os mercados rapidamente recuperaram e está novamente tudo disponível no mercado como antes, com a agravante que as substâncias que circulam têm elevada potência e pureza", afirma.

João Goulão que nota que também em Portugal o consumo só baixou em relação a um determinado tipo de drogas. "O único grupo de substâncias onde se nota alguma diminuição dos consumos são os mais associadas aos ambientes de diversão, à vida noturna, discotecas, festivais, daí estar a fazer alguma diminuição, mas de resto a distribuição e o consumo mantêm-se nos níveis anteriores, tanto quanto sabemos", admite.

O presidente do SICAD lembra que os últimos dados portugueses são de 2016/2017. O inquérito de 2020 ficou por realizar, mas a canábis mantém-se como a droga mais consumida em Portugal e há uma novidade: passou a ser a substância que mais pedidos de ajuda motiva.

"A canábis é de longe a substânica ilícita mais consumida em Portugal. Há muitos anos que assim é. Durante muito tempo não era causadora de mais episódios de pedidos de ajuda para tratamento. Essa era de longe a heroína, mas neste momento os pedidos de ajuda e tratamento relacionados com a heroína ou qualquer outra droga foram já suplantados pela canábis", explica.

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