O comunicado a anunciar a demissão da secretária de Estado do Tesouro chegou às redações às 23.31 horas, e é difícil encontrar explicações para terem sido necessárias tantas horas para retirar consequências políticas no caso da indemnização milionária à ex-administradora da TAP. A partir do momento em que a transportadora tentou justificar a legalidade do pagamento, criou mais problemas do que resolveu. Além de detalhar o processo negocial e expor o pedido inicial de uma indemnização de cerca de 1,5 milhões de euros por parte de Alexandra Reis, a TAP assumiu ter mentido na comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e nos relatórios e contas. Ou seja, ao contrário do que anunciou, não houve uma renúncia, mas antes um processo de despedimento por iniciativa da empresa.
Perante as justificações, seria impossível a Alexandra Reis e à TAP tentarem convencer-nos de que, afinal, o pagamento de meio milhão foi um excelente negócio face à exigência inicial. Muito menos poderiam querer que os portugueses aceitem a prestação de informações falsas ao mercado e aos órgãos de fiscalização. No fundo, que se considere admissível a opacidade na gestão de uma empresa salva com verbas públicas.
Uma governante que aceita a mentira montada em torno da sua saída e um acordo de confidencialidade numa empresa intervencionada não poderia exigir confiança política dos eleitores. Alexandra Reis deveria tê-lo percebido e saído rapidamente pelo seu próprio pé, mas acabou por ter de ser empurrada pelo ministro das Finanças. Como sublinhou Fernando Medina, estava posta em causa a autoridade política e os valores exigidos na administração dos bens públicos, incluindo no setor empresarial do Estado. A sua demissão está, contudo, longe de responder a todas as inquietações e perplexidades que este caso suscita.
Desde logo, é legítimo questionar que outras mentiras tem vindo a TAP a contar. Começando pelas saídas de mais quatro gestores, anunciadas como renúncias, em relação às quais deverá urgentemente esclarecer se também houve direito a indemnizações e iguais acordos de confidencialidade. Mas, muito além disso, é legítimo duvidarmos que outras inverdades estarão escondidas nas informações públicas, incluindo em relação às contas da empresa.
Politicamente, subsistem igualmente muitas questões. Se o Governo desconhecia por completo a indemnização, que outras decisões relevantes desconhece? Qual o nível de acompanhamento da gestão da TAP por parte do acionista Estado? Que mecanismos existem para assegurar a transparência, o rigor e a boa aplicação das verbas públicas na transportadora?
Num plano ainda mais amplo, sobra mais um desastre na equipa de António Costa. Menos de um mês depois de mexer no Governo, pressionado pela saída ruidosa de Miguel Alves, o primeiro-ministro vê-se atingido por uma nova polémica que cria dúvidas legítimas sobre o perfil de elementos escolhidos para a governação. Além do efeito cumulativo de desgaste, os sucessivos casos desfocam o Governo da sua missão: encontrar soluções para o contexto desfavorável que afeta diariamente a vida de milhões de portugueses. António Costa precisa de demonstrar urgentemente que está a conseguir fazê-lo.