A União Europeia, que reclama ser uma das maiores potências do mundo, chegou atrasada à vacinação contra a Covid-19 em relação aos seus mais diretos rivais.
A Grã-Bretanha começou a vacinar a população a 8 de dezembro, 19 dias antes de 27 de dezembro, a data marcada por Bruxelas para os países da União iniciarem o mesmo processo.
Antes disso, os Estados Unidos e a Arábia Saudita lançaram as suas campanhas de vacinação a 14 de dezembro, Israel a 19 de Dezembro e a pequena Suíça a 23 de dezembro.
Na América Latina o México, a Costa Rica e o Chile começaram a vacinar antes da União Europeia. O Bahrain também se antecipou à UE.
A Rússia vacina os trabalhadores da saúde e outros mais expostos ao coronavírus desde 5 de dezembro.
A China, o país mais populoso do mundo, lançou uma campanha de vacinação a 9 de dezembro na região de Sichuan, onde o coronavírus está ativo, para imunizar 2 milhões de pessoas, e desde o já longínquo julho que usa vacinas para imunizar pessoal médico e funcionários públicos que enfrentem situações de emergência.
Isto significa que no mundo, antes da União Europeia dar a sua primeira vacina, já tinham sido vacinadas 4,85 milhões de pessoas.
Os Estados Unidos já vacinaram quase dois milhões de indivíduos.
A China cerca de 1 milhão.
O Reino Unido 800 mil pessoas.
A Rússia 700 mil.
Israel 279 mil.
O Canadá 43 mil e 500.
E até o Bahrain vacinou, antes da Europa dos 27 começar, 51 mil cidadãos.
Este atraso não impediu a presidente da Comissão Europeia de dizer, no sábado, o seguinte:
"Estamos a começar a virar a página de um ano difícil. Hoje é o dia da distribuição e amanhã a vacinação contra a Covid-19 começará em toda a União Europeia.
A vacina será disponibilizada ao mesmo tempo em todos os países da União. E as pessoas começarão a tomar a vacina em Atenas, em Roma, em Helsínquia, em Sofia, em qualquer lugar.
Os nossos dias europeus de vacinação são um momento tocante de unidade e uma história de sucesso europeu."
A realidade, porém, traiu Ursula von der Leyen.
A história de sucesso europeu é desmentida pelos factos que antes enunciei e o simbolismo da unidade europeia, que a presidente da Comissão proclamou, caiu por terra no mesmo instante em que ela falava, entusiasmada.
Alemanha, Hungria e Eslováquia não esperaram pelo fim da distribuição em toda a Europa do medicamento para a Covid-19, como estava combinado com Bruxelas, e começaram logo a vacinar as suas populações na véspera, estava von der Leyen a gravar este discurso, onde ainda disse:
"Muito em breve teremos mais vacinas, assim que seja provado que são seguras e efetivas, e a União Europeia assegurou doses suficientes de vacinas para toda a nossa população de 450 milhões de pessoas, mas também assegurou vacinas para os nossos vizinhos, como a Islândia ou a Noruega."
Esta ideia de que a escala da União Europeia é que garantiu uma negociação junto das farmacêuticas para o fornecimento atempado e suficiente de vacinas - muito reproduzida pelos comentadores portugueses - também me parece uma falácia. Poderei estar errado, mas não estaremos a ser ludibriados com esse argumento ao sabermos que um país como a Costa Rica, com apenas cinco milhões de habitantes e um PIB abaixo do nonagésimo lugar do mundo, consegue adquirir vacinas antes da União Europeia?
E nem vou falar de Israel, México, Chile, Arábia Saudita ou Reino Unido, todos à frente da União Europeia nas compras e campanhas de vacinação.
Convém também não esquecermos que no início da pandemia, em março, os países da União Europeia andaram a tratar de si próprios e não foram nada solidários uns com os outros. A Itália que o diga...
E a resposta global da União à pandemia tem um saldo péssimo: se compararmos com os outros países do G7 - os mais ricos do mundo - a União Europeia tem mais casos (30 196) por milhão de habitantes com Covid-19 do que o Canadá (14 964) e o Japão (1 735), e está pouco atrás do Reino Unido (33 958).
Só os Estados Unidos do infeliz Donald Trump é que estão francamente à frente nesta triste classificação, com 57 958 casos por milhão de habitantes.
Se compararmos com alguns dos maiores ou mais populosos países do mundo, este registo da União Europeia é muito pior do que a Turquia (25 655), a Rússia (20 390), o México (10 880), a Índia (7 488), as Filipinas (4 323), o Bangladesh (3 018) e, claro, a China (62).
Até o Brasil de Bolsonaro (35 327) não está tão longe como isso do triste valor registado, desde o início da pandemia, pela União Europeia.
Não, a União Europeia não devia estar contente consigo própria na forma como se organizou para combater a pandemia e para assegurar a vacinação.
A União Europeia, se fosse uma instituição competente e politicamente saudável, tinha obrigação de estar a fazer muito melhor.