Afinal as vacinas vão falhar e perder para a Covid-19?

Na sexta-feira passada o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde tentou explicar que o esforço mundial de vacinação contra a COVId-19, apesar de ser notável, pode acabar por ser inútil.

Na altura dessa comunicação, Tedros Adhanom Ghebreyesus contabilizou as coisas desta forma: "mais de três quartos dessas vacinas estão em apenas 10 países que respondem por quase 60 por cento do produto interno bruto (PIB) global, enquanto quase 130 países, com 2 mil milhões e meio de pessoas, ainda não receberam uma única dose".

Esta situação de desigualdade brutal na distribuição da capacidade de vacinação no mundo tem tudo a ver com os compromissos das empresas farmacêuticas, que primeiro distribuem doses a quem lhes pagou milhares de milhões de dólares para investigarem a descoberta da imunidade ao novos coronavírus.

Quem o fez, naturalmente, foram os Estados mais ricos, diretamente em laboratórios públicos ou subsidiando empresas privadas e, além disso, garantindo pré-encomendas de centenas de milhões de vacinas.

A maioria dos países vai ter, portanto, de esperar que os países ricos se aviem à medida que mercado farmacêutico for capaz de fornecer a quantidade de vacinas que os Estados ricos pagaram. E isso, como se sabe, pode durar muitos meses.

Há ainda outro problema: a maioria dos governos destes países ricos, como o Português e todos os europeus, querem apresentar-se junto das suas populações como vencedores da guerra contra o coronavírus, para tirarem daí o devido fruto político, e isso, julgam eles, só será possível quando tiverem pelo menos 70% da população vacinada.

O pior é que o tiro pode sair pela culatra. E o diretor-geral da OMS explicou claramente porquê: "Uma vez que os países com vacinas vacinem os seus próprios profissionais de saúde e os idosos, a melhor maneira de proteger o resto da sua população seria partilhar as vacinas para que outros países possam fazer o mesmo."

Porquê? Porque "Quanto mais tempo levarmos a vacinar todos os grupos de maior risco em todos os lugares do mundo, mais oportunidades damos ao vírus de sofrer uma mutação e de escapar à eficácia das vacinas". Ou seja, "se não suprimirmos o vírus em todos os lugares do mundo, podemos voltar à estaca zero."

Se partirmos do ponto de observação português, o que é que temos?

Por um lado, dependemos, para vacinar as pessoas dos grupos de risco, do negócio mal feito pela Comissão Europeia, que coloca a União Europeia, neste momento, atrás, com grande distância, dos Estados Unidos, de Israel, dos Emiratos Árabes Unidos e do Bahrain no número de vacinados por 100 habitantes. Porém, estamos, também de longe, na melhor parte do mundo no que diz respeito a esses números. Quando nos queixamos, queixamos de fartura, se nos compararmos a 2/3 do planeta.

Mesmo assim, ainda falta muito para conseguirmos vacinar todos os grupos de risco, sejam os profissionais da linha da frente de combate ao vírus, sejam idosos ou doentes crónicos, sejam pessoas que têm profissões essenciais que correm maior risco de contágio da doença.

A verdade é que chegaremos lá primeiro que 2/3 do resto do mundo, mas como esse resto do mundo, por não ter vacinas, continua a alimentar o coronavírus, o "bicho" pode alterar-se e as vacinas podem deixar de fazer efeito.

Como nenhum governo cometerá o suicídio político de, depois de vacinar os grupos de risco, ceder as suas doses de vacinas a países que não as têm (mesmo que isso seja o que a humanidade realmente precisa para vencer esta doença), a solução seria permitir aos países pobres que começassem a produzir eles mesmos as vacinas, cedendo-lhes as fórmulas que estão patenteadas. Mas isso compromete o negócio das farmacêuticas e elas têm força suficiente, se quiserem (e acho mesmo que vão querer) para não aceitarem uma imposição dessas.

Resumindo, se nada for conseguido para solucionar este problema, se não conseguirmos que todo o planeta seja vacinado mais ou menos ao mesmo tempo, mais ou menos sincronizadamente, a vitória da ciência sobre a COVID-19 não acontecerá, derrotada pela politica egocêntrica e pela ganância empresarial.

E, mesmo nos países ricos que vacinaram as suas populações, milhões de pessoas acabarão por morrer contagiadas por novas variantes resistentes às vacinas e outros milhões cairão na pobreza extrema, por causa de novos confinamentos e de novas paragens da economia e do trabalho.

Vivemos a hipérbole do absurdo.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG

Patrocinado

Apoio de