Hoje é Dia da Mãe, é Dia do Trabalhador e nenhuma destas qualidades é "coisa única". Muitas mães (e muitos trabalhadores) enfrentam novas realidades.
No desconcerto deste mundo celebrar é cada vez mais difícil, na mesma proporção em que é necessário. Ser mãe é uma experiência de força e energia sem garantias. Ser trabalhador é um exercício com um amanhã desconhecido. Ser mãe trabalhadora é uma epopeia cheia de desafios.
Hoje deparei com o testemunho de Viktoria. Viktoria pertence a um grupo de mães que fugiram da guerra na Ucrânia e encontraram abrigo na Aldeia SOS de Bucareste. Pensavam ficar duas semanas, mas, um mês depois, ainda lá permanecem... Nas suas palavras "em casa, tínhamos as nossas vidas, as nossas famílias completas. Tínhamos planos, alguns para o fim de semana, outros para o verão, para o próximo ano. Se um plano não resultasse, simplesmente voltávamos para casa. Agora, não sabemos o que fazer a seguir. Devemos planear? Planear o quê? Para o que voltaríamos?"
Nesta nova realidade a incerteza é assustadora, mas não é só nesta situação limite, em que está em causa uma guerra, uma crise humanitária e a necessidade de fugir para sobreviver, que os desafios de ser mãe-trabalhadora se colocam.
Todos os passos de uma mãe trabalhadora são vividos com ambivalência e muitas vezes com um sentimento de "dever mal cumprido". É um palco de que não se sai desde o primeiro choro, o confronto com decisões permanentes que condicionam futuro(s), a dificuldade de conciliar o ser mãe com as responsabilidades laborais, a obrigação de ser sempre guia e pivot (com a escola, as atividades, a saúde, as escolhas), a exigência de uma "ubiquidade informal mas efetiva" com a gestão das obrigações de ser mãe, profissional ... mas também, ainda ser, filha, companheira, amiga, irmã conselheira, voluntária, organizadora de eventos familiares e tarefas domésticas.
Hoje uma amiga dizia-me: O mundo do trabalho não é amigo da família. Seja qual for o contexto. Uma mulher, um casal, que cumpre com as suas obrigações profissionais já está a ser obrigado a descuidar a sua família. Senão vejamos um exercício simples... 8h de trabalho diárias + 2 horas de deslocação em transportes públicos (imaginando um cenário de subúrbios), mais o tempo de entrar e sair de casa e deslocação até ao infantário/creche/escola... é fazer as contas. Depois lá vêm os especialistas e outros entendidos em bem-estar infantil dizer que as crianças passam demasiado tempo nas escolas.
Dá mesmo que pensar ... Por opção ou por ausência de alternativa as nossas crianças são crianças partilhadas entre instituições, ocupadas por terceiros, ocupadas entre módulos sendo que um é a família. Os pais, por opção ou por ausência de alternativas vivem angustiados no receio do tal "dever mal cumprido".
A pandemia trouxe-nos dificuldades, mas também nos fez ver novas formas de viver a vida com todas as suas complexidades. Trouxe-nos um novo olhar sobre o trabalho e sobre o tempo gasto em ambiente laboral. É certo que há caminhos por explorar. A produtividade, a medição do impacto, a responsabilidade de todos, a convivência entre sistemas (teletrabalho, sistemas híbridos, horários adaptados entre os interesses e a definição de práticas conciliáveis). Devíamos ser capazes de integrar, mas nem todos estão disponíveis para pensar sobre isso. Esta é uma opção que exige mais das entidades patronais, das lideranças, mas também dos trabalhadores. É uma opção que nos obriga a repensar formas de avaliação e de compensação do trabalho dos outros.
É sempre muito difícil quando o desafio é juntar coragem, interesses e disponibilidade para pensar diferente em matérias de trabalho e em matérias de conciliação. Ser mãe, profissional e ter sucesso ainda obriga a abdicar do tempo em família, mas talvez seja possível encontrar soluções.
Hoje fica também uma palavra de carinho e reconhecimento para duas "qualidades" de mães em situações também elas de grande solidão:
-- As mães que vivem esta aventura sozinhas. Algumas poderão até ter planeado essa opção, mas as que se confrontam com o isolamento e o peso de tomar todas as decisões a uma só voz. Coragem!
-- As mães que em situação de vulnerabilidade avançam primeiro para ficar em último. Há uma evidência de que são as mulheres quem primeiro procura ajuda em situação de dificuldade na família. São quem enfrenta a necessidade de um pedido de ajuda, ignorando a vergonha, se for caso disso. Força!
Uma última palavra, mais pessoal... permitam-me celebrar com alegria o dia de hoje, apesar de manter o meu coração e a minha atenção alertas para o que se passa e alinhadas com cada propósito que aqui vos trouxe hoje.
Hoje sou trabalhadora, voluntária, comprometida com a minha missão, mas sou essencialmente mãe e o meu filho mais velho faz 33 anos. Estou feliz e sou muito grata. Ser mãe é a minha maior bênção. Abraços a todas as mães, neste dia e sempre.
Eu acredito que vamos saber encontrar os meios e os caminhos para saber, e poder, conciliar melhor as nossas vidas.