Há dias uma amiga contou-me que uma criança lhe havia perguntado: qual é o sentido de se falar de "crimes de guerra" se a guerra em si é um crime? Ou não é?... A pergunta deixara-a sem resposta imediata e perplexa diante da evidência e lógica da pergunta de um miúdo a quem toda a vida, ainda que pequena, foi dito que bater aos outros não é uma forma de resolver problemas ... Compôs uma resposta, falou de códigos e condutas... de um "vale tudo menos arrancar olhos"... é como quando jogas à bola... um pequeno encontrão não é uma agressão! Nas suas palavras "percebi que andava às voltas e apeteceu-me comprá-lo com um chocolate para mudarmos rapidamente de conversa."
E não é só com as crianças ... Relembro a realidade que vivi no início da pandemia, quando os idosos do Lar que acompanhava (especialmente aqueles a quem a realidade presente já não faz memória), não entendiam porque estavam "presos"..."condenados sem crime nem juiz" (ou por todos os que entendiam sê-lo). Também aí era difícil explicar...
A verdade é que todos os cenários que vivemos hoje e aos quais "assistimos" (reforço ... "assistimos" ...), quando trocados por conceitos simples... são ainda mais difíceis de compreender!
Os conceitos de "bem" e de "mal" estão constantemente a ser equacionados na nossa sociedade, sempre desafiados pelo conceito da verdade. Domínios da ética sempre difíceis de definir, de medir e de encontrar os limites.
Encontramo-los referenciados na forma como fazemos política, na forma como gerimos empresas, na forma como nos relacionamos pessoa-a-pessoa.
Qual é o limite para a imposição das nossas ideias e dos nossos modelos de vida e de gestão? Para muitos debates é possível encontrar o equilíbrio entre pontos extremos, mas não há limites para a imposição da justiça e da dignidade humana. Este é o "bom combate". Quem poderá impor modelos ao modelo de política, de Estado, de sociedade?
Não há cedências possíveis perante os atropelos àquilo que é o mínimo do respeito pela condição humana e isto é verdade quer numa guerra, - na da Ucrânia, ou em qualquer outra, - como para as tomadas de decisão políticas que tenham impactos diretos na vida das pessoas.
Sempre que o medo é condicionador das decisões dos cidadãos ou dos governos, então, estamos perante um atropelo da dignidade humana: com ou sem armas.
Os abusos a que assistimos, mais entorpecidos do que seria desejável, podem garantir uma sobrevivência desligada de valores, que aprofunda desigualdades e não garante, nem facilita, o exercício de uma vida cidadã e participada que conduza aos caminhos da defesa dos direitos humanos, para todos.
Esta guerra na Europa convoca-nos, mas não pode deixar-nos distraídos das outras guerras, crises humanitárias e sofrimento, que estando longe, não deixam de acontecer.
Por estes dias não posso deixar de falar de uma visita importante que a Cáritas realiza a Moçambique. Temos acompanhado as enormes provações que têm chegado a este nosso país-irmão de história e de língua. Entre todos os momentos desta visita, temos o destaque obrigatório por Cabo Delgado. Mais uma população marcada pelo medo, pela dor e pela incerteza.
Saber que estaremos a repor alguma da verdade daquilo que é a humanidade - o bem - deixa-nos um sabor daquilo que é verdadeiramente o que nos move: a esperança... Em Cabo Delgado, na Ucrânia, em Portugal, que nunca se perca de vista a Liberdade e Esperança como bens maiores.