Sobre as presidenciais: acho estranho haver tantos comentadores a comentarem em jornais, rádios e tvs sem terem a lealdade de dizer, às pessoas que as lêem e as ouvem, em quem vão votar.
Eles "vendem" à opinião pública a ideia de uma isenção que é totalmente impossível qualquer individuo conseguir ter, quanto mais um comentador profissional que adquire naturalmente esse estatuto por ter aprofundado a sua capacidade de análise da realidade dentro de um quadro ideológico, político e cultural que, necessariamente, condiciona e é a base do seu raciocínio, da sua visão do mundo.
A isenção pode ser algo que se procura, mas na realidade, na minha opinião, nunca se alcança. O que é possível é ser-se independente e aí reconheço em muitos comentadores, de diferentes opções políticas, essa qualidade.
Ser-se independente não depende da ideologia ou da cultura de cada um, começa por ser um estado de espírito e depende muito do carácter de cada individuo. A isenção, ao contrário, só seria possível se uma única pessoa incorporasse na sua mente todas as contradições do espírito e do conhecimento humanos, para daí extrair uma conclusão perfeitamente equilibrada - é mesmo impossível e, por exemplo, nem a ciência, nem os tribunais, ao fim de longos anos de análise e discussão, de múltiplos atos de ação e contradição, conseguem lá chegar!
Como jornalista, a técnica adquirida para o exercício da profissão e o trabalho em equipa, com gente que pensa de forma diferente da minha, salvaguardam-me e defendem os leitores dos excessos que o problema da falta de isenção me poderia colocar - e julgo que tenho uma carreira jornalística já longa que, apesar de inevitáveis erros de percurso, comprova claramente ser possível alcançar esse equilíbrio entre a busca da isenção e o perfil ideológico e cultural.
Nos artigos de opinião o caso é diferente - aí trata-se da minha opinião, baseada na realidade e naquilo que eu acredito que é verdade, é certo, mas que não tem as limitações de um relato jornalístico.
Para perceber a diferença basta pensar nisto: idealmente uma pequena notícia "pura" não tem adjetivos, mandam nela os substantivos; noutras modalidades jornalísticas mais detalhadas, como a reportagem ou um artigo de fundo, as coisas já são muito diferentes e há adjetivos tão importantes quanto os factos relatados; finalmente, num artigo de opinião, os adjetivos podem mesmo ser tudo o que realmente interessa.
Tenho, portanto, a dizer que vou votar no candidato apresentado pelo meu partido, o PCP, como quem me ouve ou me conhece há algum tempo estaria certamente à espera.
Acontece ainda que, atendendo a que já se sabe quem vai ganhar as eleições e que a luta pelo segundo lugar é coisa que não me interessa, é mesmo com espírito muito leve que desenharei a cruzinha no boletim de voto ao lado da fotografia de João Ferreira, que é o candidato que me parece ter as melhores ideias para o país.
Mais honesto com os ouvintes e com os leitores não posso ser: nos artigos de opinião devo ser julgado pelo que digo, não devo ser julgado aprioristicamente pelas minhas opções ideológicas ou partidárias. Mas o que digo nos meus artigos de opinião só pode ser justamente avaliado, a posteriori, pelos ouvintes e pelos leitores, se eles souberem quais são as minhas opões ideológicas ou partidárias.
Não pretendo obrigar ninguém a seguir o meu exemplo, mas em períodos eleitorais esta transparência é, do meu ponto de vista, um imperativo ético.