Números inaceitáveis na estrada

Não há qualquer nota digna de registo cada vez que se reduz o número de vítimas de acidentes na estrada. Essa é a tendência em países desenvolvidos. É a curva normal e exigida nas estatísticas quando se trabalha para melhorar estradas, viaturas e sistemas de proteção de condutores e passageiros. É, aliás, a razão pela qual a União Europeia tem por objetivo atingir as zero mortes na estrada em 2050. Zero é de facto o único número aceitável, da mesmo forma que consideramos normal não caírem aviões ou não se despenharem comboios todos os anos no país.

Os indicadores que vamos vendo mostram, pelo contrário, que estamos longe de bons resultados em Portugal. E, estranhamente, continuamos a parecer pouco inquietos com estes números, como se fosse razoável morrerem, em média, 609 pessoas por ano nas nossas estradas. Como se estivéssemos, além disso, conformados com a posição que ocupamos, ano após ano, na tabela comparativa dos países da UE.

Vamos a factos. Terminaremos este ano muito perto dos resultados de 2019, no que diz respeito a vítimas mortais. Até ao dia 18 de dezembro contabilizavam-se apenas menos 21 do que em todo o ano anterior à pandemia, e tendo em conta que a época festiva potencia deslocações e é por definição um período de risco, os números absolutos tenderão a aproximar-se. Aliás, basta dizer que no ano passado 21 foi precisamente o número de vítimas mortais durante a operação especial de segurança do Natal e Ano Novo.

A comparação com o ano pré-pandemia tem toda a razão de ser. Os confinamentos afetaram fortemente a mobilidade e por essa via contribuíram para reduzir a sinistralidade. Mas vamos ser sérios quando comparamos 2019 e 2022. Uma diminuição mínima não é de todo um bom resultado. Uma vez que o normal é a redução progressiva, ano após ano, mesmo retomando os níveis de mobilidade pré-pandemia deveríamos ter conseguido valores significativamente mais recuados do que os de 2019.

Vale a pena fazermos uma análise de médio prazo para percebermos o quanto estamos atrasados neste capítulo. Há uma década, éramos os oitavos piores da Europa. Em 2020, conseguimos subir uma posição mas, azar dos azares, apenas graças à oscilação do Chipre que, como se sublinha no relatório europeu, por ter um número reduzido de acidentes está mais sujeito a flutuações ocasionais e por isso pouco relevantes em leituras estruturais.

Bem sei que os números são por vezes aborrecidos (e mais ainda em rádio), mas vale a pena determo-nos em alguns, indo mais uma vez ao relatório da UE e aos índices de mortalidade por milhão de habitantes. No último ano estudado, 2020, registaram-se em Portugal 52 mortes por milhão. A média na Europa foi de 42 e os países no topo, Noruega e Suécia, registaram 18 mortes por milhão de habitantes.

Os acidentes rodoviários representam a principal causa de morte de crianças e jovens e estão no top 10 em todas as restantes faixas etárias. Politicamente não podem deixar de merecer prioridade absoluta e nenhum governo pode apresentar como melhoria uma redução minúscula no espaço de três anos. Socialmente, o tema deveria justificar a nossa indignação e o empenho coletivo. É assustador o silêncio e a passividade com que vamos normalizando números absolutamente inadmissíveis.

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