Agora que já sabemos que vamos ter um novo campeão da Europa começa a ser tempo de olharmos para aquilo que não permitiu a Portugal prolongar a defesa do título para lá dos oitavos-de-final. Sendo evidente que não se exigia obrigatoriamente uma nova conquista neste Euro, uma coisa é certa: ninguém está convencido de que a seleção conseguiu o máximo na competição.
1 - Não é propriamente uma novidade, porque repetiu-se a história do último Mundial. Portugal passou a fase de grupos (e a deste Europeu era mesmo um bico de obra), mas caiu logo a seguir não atingindo sequer aquilo que seriam os mínimos olímpicos para um campeão em título, isto é, os quartos-de-final.
Podemos sempre dizer que este Europeu provocou uma razia inesperada na primeira etapa da fase a eliminar - de tal modo que o que derivou do Grupo F desapareceu num ápice - ou até que o maior desaire foi o da França, campeã mundial e grande favorita, que colapsou frente aos suíços pela capacidade do adversário mas também por enormes culpas próprias. Tudo isto é verdade, só que pouco ou nada interessa à análise que tem a ver estritamente connosco.
Para começar, atribuir unicamente ao azar o que nos sucedeu não me parece que seja a melhor maneira de explicar as coisas. E não alinho nesta tese porque também não alinhei no argumento único da sorte para justificar o título de 2016.
Fernando Santos entrou na História do futebol português por ter sido o primeiro selecionador (e talvez o único durante muitos anos) a conquistar um Campeonato da Europa, juntando-lhe ainda uma Liga das Nações. E esquecer isto é ser ingrato, pois muitos, como eu, depois do balde de água fria na final do Euro2004 pensámos que tínhamos perdido a possibilidade de ver, pelo menos uma vez na vida, Portugal campeão da Europa. Ora, Santos deu-nos aquilo que queríamos.
A questão é que a visão conceptual do selecionador aplicada há cinco anos era, percebe-se, a indicada para um determinado contexto em função da matéria humana de que dispunha. E, goste-se ou não, resultou na estrita perspetiva do objetivo pretendido.
Sempre tive a esperança de que, com o passar do tempo e com o acrescento cada vez maior de qualidade individual à seleção, Fernando Santos fosse moldando o seu conceito e tornasse a equipa nacional menos reativa e mais proactiva, não apenas nas partidas frente a seleções de menor capacidade mas também com aquelas que estavam apostadas em discutir títulos como nós.
Ter uma sólida consistência defensiva é fundamental, ninguém o contestará, simplesmente não se pode secundarizar todo o potencial ofensivo - e criativo - de que Portugal usufrui como poucos. Não há muitas seleções no mundo que se possam gabar de ter trunfos semelhantes. Logo, a primeira questão que nos assalta é o que fazer com isso.
Penso que tivemos um vislumbre na Liga dos Nações - houve largos períodos, em vários jogos, com um perfil autoritário, de campeão - e, julgava-se, este Europeu seria uma natural continuação dessa, chamemos-lhe assim, "evolução". Ora, o que fica é a sensação de um regresso aos conceitos de 2016 quando aquela receita, como se viu, não era replicável agora.
Ainda é cedo para uma avaliação completa da nossa passagem por este Europeu, mas há vários tópicos que, não sendo novos, voltam ao pensamento. Interrogamo-nos se jogadores como Bernardo Silva ou Bruno Fernandes devem ser usados daquela forma e naquelas funções, se as opções no meio campo não devem refletir a necessidade da construção sistemática ou se a existência de um plano B para o jogo, tão bem estruturado como o A, não será imperioso. Entre outras coisas.
Aguardemos, portanto, pelo próximo capítulo. Falar da substituição do selecionador nesta altura é algo que não tem ponta de sentido, quando estamos a ano e meio do Mundial e com uma fase de qualificação já em andamento acelerado. Não espero que Fernando Santos altere o suporte da tal "visão conceptual", mas creio que pode ajustá-la aos novos desafios. E, já agora, vamos pôr de lado afirmações categóricas como, por exemplo, a de que vamos ao Mundial para o ganhar. Não há necessidade...
2 - Bloco-notas, terceira semana
- O elenco dos quartos-de-final não estava nas previsões de quase ninguém. Suíça, Ucrânia, República Checa e Dinamarca (reparem bem, metade dos presentes) chegaram àquele patamar da competição em que lhes é permitido sonhar com qualquer coisa.
- A seleção de Gareth Southgate eliminou a Alemanha, o que tem um significado imenso para os ingleses. Mas mais do que isso: soube mudar o que era preciso, quando era preciso. Sem abanar.
- Se olharmos para a lista disponível somente pelo poderio tradicional, dir-se-ia que Itália e Espanha são os principais candidatos nesta altura. Em tese sim, na prática logo veremos. Este Europeu ameaça uma surpresa.
- Para quem ainda não percebeu o que é um verdadeiro espetáculo de futebol sugiro a revisão do Croácia - Espanha. Está lá tudo.