"Trabalhadoras sexuais duplicam na Cidade do México devido à crise". Este título, de um despacho da agência Lusa (empresa de informação noticiosa onde o Estado tem capital maioritário), foi enviado quinta-feira a todas as redações de Portugal. Muitos órgãos de comunicação social reproduziram-no. É um exemplo entre muitos: a imprensa portuguesa está a substituir, sistematicamente, a palavra "prostituta" ou a palavra "prostituição" pelas alternativas "trabalhadoras do sexo" ou "trabalho sexual".
Falar em "trabalhadoras sexuais" em vez de "prostitutas" resolve alguns problemas a quem escreve, mas não resolve problema algum a quem vende o corpo nas ruas.
Quem escreve daquela forma autoconvence-se de que está a retirar um estigma de cima das "prostitutas". É um engano. Não é a prostituta que é indigna, quem é indigno é o proxeneta, quem é indigno é o cérebro da rede de tráfico humano que alimenta as redes da prostituição, quem são indignos são certo tipo de clientes que utilizam as prostitutas ou os prostitutos para praticarem crimes, quem é indigno é quem exerce a violência e o abuso sobre quem se prostitui.
Quando tentamos "adocicar" a realidade estamos a deturpá-la, estamos a manipulá-la e, por isso, estamos a contribuir para que essa realidade seja mal interpretada, mal estudada e mal compreendida. Adocicar, tal como apimentar, a realidade é um caminho para a asneira.
Pode-se perguntar o seguinte: a prostituição é ou não é um trabalho?
Se se perguntar a uma prostituta se ela trabalha, é muito natural que ela diga que sim, e eu acho que, do seu ponto de vista, ela tem razão.
Se se perguntar a um escravo se ele trabalha, ele também dirá que sim, e eu acho que, do seu ponto de vista, ele tem razão.
A prostituta e o escravo têm razão quando dizem que trabalham porque, de facto, ninguém pode negar que eles utilizam as suas capacidades para produzir algo ou para prestar um serviço a alguém.
Porém, a sociedade não aceita, e bem, considerar a escravatura um trabalho: porque a condição de escravo implica a traficância, por terceiros, do corpo, da mente, da total personalidade de um indivíduo em proveito de outros indivíduos, instituições ou empresas.
O escravo é propriedade de alguém, não é um trabalhador, apesar do seu dono, do seu proprietário, pôr o escravo a trabalhar e, por isso, o escravo poder dizer, com lógica, que, afinal, trabalha.
Na prostituição acontece algo similar: a prostituta não se limita a vender, para seu proveito financeiro ou para proveito financeiro de alguém, uma técnica sexual, um serviço que, eventualmente, a sociedade pode achar necessário e útil. Na realidade que vivemos hoje em dia, a prostituta, muitas vezes, acaba por ficar, na prática, propriedade de alguém, sem autonomia: ou presa ao traficante de seres humanos que a trouxe de longe para o local onde ela se prostitui; ou presa ao proxeneta que a explora com crueldade, cercando-a num isolamento dificilmente ultrapassável.
Mesmo quando consegue livrar-se dessa gente, a prostituta continua escrava. Porque ao reduzir-se a objeto de consumo, a pessoa e a sua personalidade são liquidadas, tal como acontece ao escravo. Porque o trabalho que ela faz é um obstáculo à sua integração social, tal como acontece ao escravo. Porque a inevitável estigmatização dificilmente a realiza como pessoa e não a valoriza na comunidade, tal como acontece ao escravo.
O estatuto descartável de um objeto de prostituição, cuja identidade humana acaba diluída e desaparece na intensa circulação do tráfico e do negócio, é equivalente ao estatuto do escravo - e não é uma remuneração que altera isso.
Por fim, queria dizer ainda que a defesa das prostitutas e dos prostitutos - segurança, saúde, educação, liberdade e outros direitos humanos básicos - não pode implicar a defesa do negócio da prostituição e é isso que a agência Lusa (serviço público, repito) e muitos outros órgãos de comunicação social estão a fazer ao mudarem a palavra "prostituição" pela expressão "trabalho sexual".
Se houver trabalho sexual tal implica existirem também empresas a gerir e a rentabilizar esse trabalho - ora em Portugal, e bem, a prostituição não é penalizada pela lei. Proibido é o negócio sexual. Portanto, quem acabará por beneficiar com esta precipitada e falsa bondade da imprensa nacional (e de alguns partidos que defendem alterações na lei nesse sentido) será, no fim de tudo, o proxeneta, que deixa de ser um criminoso e passa a ser um legítimo capitalista do comércio de carne sexual.
É isto que os meus camaradas jornalistas querem?...