"Vamos ver." O ceticismo resumido em duas palavras

Quando esta tarde os novos membros do Governo tomarem posse, António Costa tentará encerrar um longo ciclo de crise e transmitir a mensagem de que a equipa está focada no que realmente interessa: governar o país. Uma boa parte dos portugueses, no entanto, partilha do ceticismo demonstrado pelo presidente da República. "Vamos ver", como ontem várias vezes repetiu Marcelo Rebelo de Sousa, até que ponto as escolhas do primeiro-ministro se revelam eficazes.

Politicamente, é certo que o capítulo não está encerrado. Para amanhã está agendada a votação da moção de censura apresentada pela Iniciativa Liberal, e além disso prosseguem em várias frentes, da Inspeção-Geral das Finanças ao Ministério Público, procedimentos que a qualquer momento farão ressurgir não apenas a polémica da TAP, mas outros inquéritos pendentes com potencial para atingirem atuais e antigos governantes. Aliás, um esclarecimento da Procuradoria-Geral da República sobre o projeto do hidrogénio verde em Sines afasta, no imediato, suspeitas em relação ao novo ministro João Galamba, dizendo não haver arguidos constituídos, mas confirma que a investigação aos indícios de tráfico de influências e de corrupção prossegue.

O presidente da República deixou claro que o Governo caminha sobre gelo fino, podendo a qualquer momento recair sobre António Costa a responsabilidade pela opção de recorrer a prata da casa e mexer o menos possível nas pessoas e nas políticas. Tendo sido cristalino no caderno de encargos que traçou para o primeiro-ministro, Marcelo não pode deixar de considerar que foi perdida a oportunidade de mudança. A sua mensagem de Ano Novo foi mais longe do que nunca no diagnóstico das fraquezas que podem esvaziar uma maioria absoluta: da descoordenação à fragmentação interna, passando pela falta de transparência e pela descolagem da realidade, o chefe de Estado apontou (sem apontar) todos os "vícios originais" do Governo socialista.

Vale a António Costa, por agora, a falta de alternativas e a divisão à direita, que lhe oferecem o conforto de não ver surgir um rosto claro na liderança da oposição. Nem isso, ainda assim, pode levar à ilusão de que há margem para mais erros ou falhas graves na gestão do país. O discurso de que 2023 é um ano decisivo não é um mero slogan ou um mecanismo de pressão política. Está tudo escrito nos números. Portugal tem de executar, este ano, o dobro da verba de 2021. É uma tarefa gigantesca e quem está no terreno murmura que a probabilidade de falharmos na aplicação destes gigantescos milhões é bem maior do que a de sermos bem-sucedidos.

Não é propriamente animador entrar num ano decisivo com um Governo esgotado de ideias e enfraquecido por sucessivas polémicas. Como não é promissora a luta por protagonismo à direita e a falta de uma oposição forte, essencial em democracia. Se o ano trará melhores notícias do que as perspetivas iniciais indiciam, só o tempo o dirá. Por agora, as duas palavras tão repetidas pelo Presidente da República resumem o estado de alma: "Vamos ver."

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