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Foi assim no primeiro, e foi assim também no segundo livro de memórias dos anos que Cavaco Silva passou no Palácio de Belém. As críticas, vindas sobretudo do Partido Socialista, à falta de sentido de Estado do ex-Presidente da República, não deixaram Cavaco propriamente surpreendido: "De alguma forma já esperava", reconhece.
Na primeira entrevista à TSF, depois de ter lançado o segundo volume de "Quinta-feira e outros dias", Cavaco Silva critica aquilo a que chama de "má tradição dos políticos" que "não prestam contas das ações que desenvolvem". Algo que, lembra o ex-Presidente, "é banal noutros países. Eu tenho em casa cerca de 50 biografias de grandes políticos de todo o mundo e lá fora é normal eles exprimirem opinião".
Foi isso mesmo que Cavaco diz ter feito no mais recente livro. Exprimir "os pensamentos que me atravessaram em cada acontecimento", explica, ao mesmo tempo que dá conhecimento aos portugueses "do que eu fiz ou deixei de fazer. Os portugueses têm direito a saber como é que o Presidente da República reagiu num dos períodos mais dramáticos da vida do país".
Cavaco Silva aplaude o facto de Passos Coelho escrever novo livro. Ouça a peça de Judith Menezes e Sousa
"Passos podia ter evitado desgaste político"
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Entre os atos, reações e pensamentos descritos neste novo livro de Cavaco, estão também as críticas ao ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que liderou o Governo durante todo o período de assistência financeira. "Eu entendia que a distribuição dos sacrifícios não estava a ser feita de forma equitativa" , recorda Cavaco Silva.
O ex-chefe de Estado lembra ainda os chumbos consecutivos do Tribunal Constitucional às medidas do Governo de Passos Coelho. Inconstitucionalidades que, no entender de Cavaco, podiam ter sido evitadas "se o Governo tivesse seguido outro caminho." Se o tivesse feito, diz, "tinha tido menos desgaste na opinião pública.
Apesar de tudo, Cavaco Silva reconhece no livro, e agora na entrevista à TSF, que "o Governo do Dr. Passos Coelho fez um trabalho muito importante para impedir um segundo resgate".
Ora, Passos Coelho, que foi dos primeiros a chegar à apresentação do livro de Cavaco Silva, foi parco em reações, mas sempre foi dizendo que também ele está a escrever um livro sobre os anos da troika e que "as informações que eu possa juntar e outras coisas que possa dizer - e terei muito para dizer e para juntar - em complemento do que agora fica conhecido, julgo que pode dar um contexto mais alargado de entendimento sobre o que se passou no país nestes anos."
Nada que deixe o ex-Presidente da República muito preocupado. À TSF, Cavaco Silva diz que só pode "aplaudir" e manifesta o seu "total apoio, independentemente do que ele escrever."
"Os políticos têm medo"
Tudo o que escreve e a forma como descreve os vários protagonistas políticos que lhe passaram à frente, durante os 10 anos de mandato, Cavaco Silva garante que teve sempre o cuidado de ser "bastante educado, contrariamente ao que outros políticos nacionais fizeram em relação à minha pessoa."
A muitos desses políticos, o ex-Presidente da República chegou mesmo a dizer-lhes na cara "eu acho que o senhor tem tendência para se exaltar" ou "eu acho que o senhor é teimoso". Uma coisa perfeitamente normal, diz Cavaco Silva, concluindo com um lamento: "Os políticos portugueses têm medo. Eu digo que é medo de submeter-se ao exame da consistência intertemporal das posições assumidas."
Na primeira parte da entrevista a Fernando Alves, na Manhã da TSF, Cavaco Silva lembra que "para a atuação de um político, é importante saber como reagem os outros políticos" e que devia ser um imperativo de todos os que ocupam cargos públicos relevantes "prestar contas aos portugueses."
Garante que o livro que agora publica não contém, em si, qualquer "picardia" e que procurou até ser "bastante delicado." Quanto às críticas que tem ouvido, prefere não fazer "nenhum comentário."