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"Inaceitável", "absurdo" e "agente da implosão" são apenas três das expressões que Cavaco Silva utiliza para criticar a forma como o então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas geriu o chamado episódio "irrevogável". Recordemos: Vítor Gaspar, na altura, ministro das Finanças sai do Governo, em rota de colisão com Paulo Portas, Passos Coelho escolhe Maria Luís Albuquerque, Portas ameaça bater com a porta.
"Visava propositadamente destruir a credibilidade da nova titular da pasta quer no plano interno como externo. Absolutamente inaceitável", escreve Aníbal Cavaco Silva, no capítulo "A demissão "irrevogável" de um ministro".
O antigo Presidente da República lembra que, em conversa com Passos Coelho, lhe perguntou se Portas sabia da mudança de pasta. Passos conta a Cavaco que propôs ao líder do CDS, uma remodelação "mais ampla" com Portas a subir a vice PM e responsável pelo ministério da Economia, mas sem a tutela dos Transportes nem da Energia. Mas Paulo Portas recusa alegando o timing do congresso centrista "em breve".
Com a luz verde do primeiro-ministro, Cavaco marca a cerimónia de posse para as cinco da tarde, do dia seguinte. Pelo meio, fica "surpreendido pela extensa e detalhada carta de demissão de Vítor Gaspar" que já "não contribuía para a tranquilidade da cerimónia de posse" de Maria Luís Albuquerque.
Mas eis que em 1 de julho de 2013, Cavaco Silva recebe um SMS do primeiro-ministro a dizer que tem urgência em falar-lhe e quando lhe liga, é "surpreendido" com a notícia de que Portas se queria demitir do Governo porque "não se sentia mobilizado e estava incomodado" com a escolha de Maria Luís Albuquerque para a pasta das Finanças.
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Cavaco Silva conta que o então primeiro-ministro Passos Coelho "fez tudo" para alertar para as "graves consequências" de tal decisão e considera que a saída de Gaspar "era uma vitória pata todos os que manifestaram públicas discordâncias com a política seguida", como o CDS.
No episódio, Cavaco considera "inaceitável" que Portas não lhe tenha dado "qualquer palavra" sobre a decisão que era "um completo absurdo" com consequências muito negativas para a credibilidade externa, em pleno Programa de Ajuda Económica e Financeira (PAEF).
Aliás, nesse dia, recorda o antigo Presidente, "Portas mantinha os telemóveis desligados". Acabam por chegar a Belém, "três parágrafos sem explicação plausível para tão drástica decisão".
Cavaco decide enviar um "lacónico SMS": "Não consigo compreender a sua carta, está consciente das graves consequências para PORTUGAL?", pergunta em maiúsculas.
Mas é quando Cavaco lê a mensagem de Portas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que o desagrado dispara "não queria acreditar no li", o então Presidente percebe que expressões como "pedido de demissão irrevogável" se traduziam "numa crise política muito mais grave do que as que antes tinha enfrentado".
"Fazer um comunicado anunciando a demissão em cima da posse da nova Ministra das Finanças, que teria lugar uma hora depois, parecia-me uma infantilidade pouco patriótica. Visava, propositadamente, destruir a credibilidade da nova titular da pasta, quer no plano interno, quer no plano externo. Absolutamente inaceitável!" escreve Cavaco.
Cavaco Silva refere-se a Portas como "o agente da implosão" da coligação PSD-CDS, considerando que o ocorrido naquela terça-feira "ultrapassou os limites da tolerância e feriu o interesse nacional".
Do relacionamento até àquele momento, Cavaco Silva diz que Portas, que considerava um "político inteligente e hábil", tinha tido um comportamento "correto", tanto no plano institucional como pessoal", mesmo discordando de algumas atitudes.
Do dia de posse, que lhe "tirou o sono", Cavaco Silva recorda ambiente "pesado" e intranquilo enquanto elogia a "serenidade e sentido de Estado" de Passos Coelho, ao longo do processo.
Nesses dias de crise, sucedem-se os contactos nacionais e europeus e Cavaco Silva defende "o Compromisso de Salvação Nacional": um entendimento entre PS, PSD e CDS. Mas António José Seguro, na altura líder socialista, fica de "ponderar" mas acaba por recusar.
É durante uma reunião com Cavaco Silva que Passos recebe um SMS de Portas, dizendo-se "aberto a uma solução para a crise". Antes, conta Cavaco, o líder centrista teria sido "duramente criticado na reunião da Comissão executiva do partido de onde sai um comunicado "surreal" que mandata Portas a negociar a permanência do CDS no Governo.
Depois de receber de Passos a notícia de que Portas afinal, aceitava manter-se no governo, Cavaco conclui que "num curto espaço de tempo" o então primeiro-ministro "fizera o melhor possível para colar os cacos da coligação".
Desses dias, Cavaco retém a certeza de que um governo PSD-CDS sem Portas não iria longe e lembra que um dirigente centrista teria dito que "não era gerível uma situação em que Portas fique no Largo do Caldas a dar despacho aos ministros do CDS".
Quando finalmente, Portas pede para ser recebido em Belém, Cavaco Silva fá-lo esperar e deixa "passar o fim de semana". Da reunião que acontece na terça-feira seguinte, o então Presidente recorda "um ato de contrição bem encenado": Portas pede desculpa pela "falta grave" de não ter informado Cavaco sobre a demissão e ouve na volta a crítica de "um golpe profundo na solidez, na consistência e na credibilidade da coligação".
Adiante, no livro de memórias, Cavaco Silva escreve que "a troika lidava mal com o estilo de Portas e via nele o responsável pela crise de julho que tão significativamente influenciara os mercados".
Já antes, quando fala das negociações orçamentais de 2015, Cavaco lembra que Passos "referiu publicamente que o líder do CDS-PP gostava de manifestar-se muito ativo na defesa da redução de impostos, mas tinha o hábito de ignorar a realidade dos números, quando eles não coincidiam com o que pretendia alcançar".