Fui "bastante educado", ao contrário do "que outros políticos fizeram em relação à minha pessoa"

Cavaco Silva conversa com Fernando Alves sobre "Quinta-Feira e Outros Dias: Da Coligação à Geringonça".

Cavaco Silva assume que é "bastante educado, ao contrário daquilo que outros políticos nacionais fizeram em relação à minha própria pessoa. Faço avaliações de políticos, tendo presente o diálogo com eles mantido, procurando um rigor dos factos que seja difícil de desmentir".

Mas acrescenta que nem todos os políticos poderiam saber o que pensava acerca deles. "A alguns cheguei a dizer: 'O senhor tem tendência para se exaltar', ou 'Há quem diga que o senhor é teimoso'. Mas isso é normal, banal diria mesmo, em todas as biografias que se publicam no estrangeiro. Lamento profundamente que os políticos portugueses tenham medo - eu digo que é medo - de submeterem-se ao exame da consistência intertemporal das posições assumidas.

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Cavaco Silva fala esta sexta-feira na TSF sobre o segundo volume do seu livro de memórias: "Quinta-Feira e Outros Dias: Da Coligação à Geringonça".

Entre os políticos portugueses não há quem não tenha já este livro na estante. Não fossem eles as personagens principais.

Se no primeiro volume, "Passos de uma vida feliz", as recordações descritas são de natureza mais pessoal, o livro lançado na última quarta-feira é um olhar aos bastidores do Palácio de Belém, entre 2011 e 2016.

Cavaco disse entender que é altura de "prestar contas aos portugueses" , altura de trazer a público o que se passou nos encontros semanais com o primeiro-ministro, outros membros do Governo e oposição.

E tudo sem receio de "ser submetido a exame da consistência intemporal das posições publicamente assumidas".

Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência. Pelo menos, na realidade de Cavaco Silva. Já Carlos César, por exemplo, faz outra leitura da história.

O artista

Para o antigo Presidente da República, António Costa era "um artista". Para Carlos César o artista é o autor.

"Cavaco Silva é muito expedito em dizer que o atual primeiro-ministro era um artista, que gostava de empurrar apenas os assuntos para a frente. Artista foi Cavaco Silva, que consentiu e colaborou em empurrar problemas para a frente como os do Banif, do BCP, da CGD, do Novo Banco do fundo de resolução, do crédito malparado", disse o presidente do Partido Socialista esta quarta-feira, no programa da TSF "Almoços Grátis".

Carlos César acusa Cavaco Silva de "falta de sentido de Estado" nas considerações que tece sobre as pessoas com quem trabalhou. Até Luís Montenegro admite que "aqui e ali se pode identificar alguma zona em que o recato do exercício da função presidencial possa estar um bocadinho mais colocado em causa".

O social-democrata destaca, no entanto, que o antigo chefe de Estado escreve com "grande coragem e sem tabus".

O taticista

Das onze reuniões e 105 dias de Governo de António Costa com Cavaco Silva em Belém, fica o retrato de um homem que tinha a arte de nunca dizer não.

António Costa é descrito como um homem pessoalmente simpático e bem-disposto, de sorriso fácil. O que nem sempre é bom.

A "atitude descontraída" perante problemas graves e complexos, como se tudo fossem "meras trivialidades", contrastavam com a habilidade profissional da política, de "pendor taticista" .

Entre a satisfação dos interesses do PCP e do BE e as exigências de disciplina orçamental da Comissão Europeia, Costa já tinha um objetivo claro: ser primeiro-ministro.

E a "Geringonça"? Cavaco Silva é cáustico na forma como descreve a assinatura dos entendimentos entre o PS e os vários partidos da esquerda. "Foram cerimónias algo clandestinas, envergonhadas sem presença da comunicação social, sem dignidade", escreve.

Sem ter ainda lido o livro, António Costa deixou desde logo a garantia de que nunca comentará qualquer atuação de um Presidente da República com quem tenha trabalhado por considerar que "é uma questão de sentido de Estado".

O agressivo, mas medroso

Pedro Passos Coelho destacou o relacionamento "impecável" que manteve com Cavaco Silva, mas também recorda as "discordâncias sensíveis sobre assuntos que eram relevantes".

Também ele vai contar tudo no livro que está a escrever sobre os tempos em que governou o país, diz.

Isto porque Cavaco Silva "não diz tudo, mas tudo o que diz é importante para que se perceba o que se passou, mesmo quando muitas das coisas resultam de informações que o chefe de Governo na altura lhe prestou e que assim o país fica a saber".

No livro "Quinta-feira e Outros Dias", Passos Coelho é tanto alvo de elogios, como de críticas. O ex-primeiro-ministro é julgado pela "falta de equidade na repartição de sacrifícios" exigidos ao país, mas ainda assim, credor do apreço dos portugueses.

Da crise da TSU, aos cortes nos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos, passando pela sobretaxa, Cavaco Silva enumera todas as medidas tomadas pelo anterior governo com as quais discordou .

A Passos Coelho cabem ainda os rótulos de "postura agressiva", "falta de coragem" e dotes para o "artifício contabilístico".

O irrevogável infantil

Piores atributos são atribuídos a Paulo Portas. "Inaceitável", "absurdo" e "surreal" são apenas três das expressões que Cavaco Silva utiliza para criticar a demissão "irrevogável" do então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

Cavaco revela inclusive os SMS trocados com Portas depois do episódio de "infantilidade pouco patriótica" que lhe "tirou o sono".

Paulo Portas foi, na opinião do antigo Presidente, "o agente da implosão" da coligação PSD-CDS, considerando que o ocorrido naquela terça-feira "ultrapassou os limites da tolerância e feriu o interesse nacional".

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