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Um ramo de tulipas amarelas e um livro: era sempre assim, a cada aniversário do poeta. José da Cruz Santos, o primeiro editor a publicar a poesia toda de Eugénio de Andrade num só volume, e ao todo 60 obras do autor, conta, na TSF, os anos, mais de 45, em que trabalharam juntos.
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Eduardo Lourenço chamava-lhe o São Paulo de Eugénio de Andrade e hoje, aos 86 anos, José da Cruz Santos celebra o centenário com as muitas recordações e uma montra dedicada aos livros do poeta, na Modo de Ler.
Eugénio de Andrade polia cada verso, uma e outra vez, escrevia à mão em cadernos pretos, riscava, emendava, às vezes deitava fora e começava de novo. "Escrevia hoje, amanhã deitava fora, às vezes sobrava só um verso, foi ao longo da vida sempre assim", lembra o editor chamado para escutar os poemas escritos pelo punho do autor, mas só passados à máquina, depois de ditos, primeiro à empregada, e finalmente, ao editor: "Chamava-me, lia-me o original e eu dizia-lhe 'Ó Eugénio, agora tenho de ler eu, para chegar a uma conclusão, porque você tem voz de sereia'". Não se deu mal com isso.
Conheceram-se no Porto, frequentavam as mesmas tertúlias, mas é só quando José da Cruz Santos vai trabalhar para a editora Portugália que se forja a relação entre editor e autor. E nem a morte de Eugénio de Andrade, em junho de 2005, os separou.
Ouça aqui a conversa da TSF com José da Cruz Santos
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"Num dos próximos domingos, Eugénio, regressarei ao velho Café Duque, em frente à sua antiga casa na Rua do Duque de Palmela. Levarei comigo, como costumava, um livro que servirá para a sua pergunta habitual. O que anda a ler? E daí partíamos tantas vezes para uma conversa que tornava esse encontro o mais belo momento do dia."
José Cruz dos Santos não mais regressou ao velho café Duque, e nunca mais voltou a comprar um ramo de tulipas amarelas. No seu modo de ler, o editor, com 86 anos, folheia recordações da amizade cúmplice "mas nunca íntima", que marcou mais de 45 anos de ligação ao poeta. Se passarem por estes dias, rente ao número 43 da Praça Guilherme Gomes Fernandes, no Porto, a montra da livraria assinala a data do centenário. "Gostei de fazer e vou ficar por aí, o resto são tudo recordações e as recordações é que nos vão defendendo com o frio que vem com a idade."
Não por acaso, o poema "Despedida", escrito pelo punho de Eugénio de Andrade, salta da montra para o leitor, numa folha em branco, debruada a flores silvestres: Colhe/todo o oiro do dia/na haste mais alta/da melancolia.