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Chega este mês de setembro às livrarias portuguesas o seu último livro, o primeiro escrito a quatro mãos com o moçambicano Mia Couto, o que é este "O Terrorista Elegante e Outras Histórias"?
Este livro são três contos longos que resultam de três peças de teatro que escrevemos em conjunto, algumas delas em presença um do outro, outras longe um do outro, mas trocando correspondência. Depois fizemos a adaptação para contos. Foi uma experiência muito divertida. Se as pessoas se divertirem tanto a ler como nós nos divertimos a escrever, acho que vão gostar.
Ouça a entrevista a José Eduardo Agualusa
Serem amigos há vários anos, facilitou o processo?
Sim, acho que não seria possível de outra forma, é uma brincadeira entre amigos, um jogo, escrever assim exige uma intimidade grande, não é possível se não houver amizade.
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Como é que escreveram o livro quando estavam à distância?
Comunicámos através das redes sociais. Um escreve uma coisa, envia para o outro, o outro corrige, acrescenta alguma coisa, envia novamente. É uma construção conjunta. A verdade é que neste momento seria impossível dizer o que cada um escreveu. Às vezes algumas pessoas dizem: "Isto foi o Mia", mas nós próprios não sabemos quem escreveu o que. A primeira peça que fizemos foi a partir de uma ideia do Mia, e eu tentei, de alguma maneira, aproximar-me da escrita dele. A segunda foi o contrário, foi a partir de um conto meu que já estava escrito. E a terceira foi a partir de uma notícia de jornal, que foi construída em Maputo, estávamos juntos e escrevemos em casa do Mia. Um dizia uma frase e outro dizia outro.
Foi um trabalho demorado?
Não foi um processo rápido. A primeira peça escrevemos muito rapidamente, a segunda e a terceira não. Depois, adaptar o livro, demorou anos.
Já disse várias vezes que escreve para derrubar muros, acredita que este livro cumpre o objetivo?
Espero que sim. A história principal é muito atual. É a história da criação de um terrorista pela necessidade que, às vezes, aqui no ocidente existe de apresentar um inimigo com rosto visível. É uma paródia, uma comédia, mas sobre uma questão muito séria. Espero que sim, toda a literatura tenta fazer isso, aproximar-nos do outro.
30 anos depois da queda muro de Berlim, ainda vê o mundo muito dividido?
Infelizmente houve muros que ressurgiram, pensávamos que não. Mesmo a questão da democracia, eu próprio partilhei essa ingenuidade de pensar que as democracias são para sempre, são estáveis. Depois percebemos que não são. Hoje há toda uma série de aspirantes a construtores de muros, e há outros muros que estão a ser erguidos, por exemplo, nos Estados Unidos. Infelizmente, a queda do muro de Berlim, não foi o fim de todos os muros. Acho que a determinada altura acreditámos nisso, que não haveria mais muros, e hoje vemos que eles estão a aparecer.
Isso afeta a sua forma de escrever, reflete-se nos seus livros?
Tem, no sentido em que aquilo que eu escrevo tem a ver com aquilo que eu vivo e com os momentos que a humanidade atravessa, que eu atravesso nesse percurso. Então sim, tem a ver com todo esse processo, sem dúvida alguma. Acho que este ressurgir da extrema-direita tem muito a ver com o que aconteceu nos estados unidos, com a eleição de (Donald) Trump. Penso que sem o Trump não teria havido (Jair) Bolsonaro, e se o Trump não for reeleito, que espero que não seja, o Bolsonaro acaba nesse mesmo dia. Há aqui um lado que é conjuntural, e depois há um lado mais profundo, que tem a ver com o facto de as sociedades não estarem a ser capazes de responder a desafios urgentes.