Fernando Alfaiate: "A reprogramação adicional do PRR terá cerca de 2300 milhões de euros"
Entrevista TSF-JN

Fernando Alfaiate: "A reprogramação adicional do PRR terá cerca de 2300 milhões de euros"

A reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) avança já em janeiro e inclui um valor adicional de 2300 milhões de euros para Portugal. Há prazos de execução que poderão ser dilatados, mas o horizonte final do PRR mantém-se em 2026. Fernando Alfaiate, que coordena a gestão, espera que dentro de dias chegue a aprovação europeia do segundo cheque e sacode as críticas de lentidão. Admite, no entanto, que o setor da construção é o mais frágil e exposto ao contexto inflacionário.

O crescimento projetado pelo Governo em 2023 assenta no investimento assegurado por fundos europeus. O risco destas projeções é um fator adicional de pressão ou de motivação?

O investimento público em Portugal é, e deverá ser, motor para o crescimento económico. A concretização do investimento previsto no orçamento para o próximo ano é para nós uma motivação. Há muita esperança nessa concretização e acreditamos que, se assim for, podemos garantir o crescimento económico de Portugal, num contexto que não é o mais favorável. As perspetivas das entidades internacionais asseguram um crescimento que, embora modesto, é muito positivo comparativamente a outros estados-membros.

Como interpretou o alerta do Presidente da República sobre o PRR, dirigindo-se à ministra da Coesão territorial, Ana Abrunhosa?

É um alerta e uma preocupação que tem todo o sentido e coerência e reflete o que todos os cidadãos desejam, a aplicação adequada de fundos estruturais disponíveis, evitando situações de má aplicação ou mau uso desse investimento. A pressão no PRR existe desde o primeiro dia, falamos de um plano de execução com um tempo muito curto até 2026. É um pacote de fundos adicionais que foi introduzido devido a uma crise económica causada pela pandemia. Nunca vamos deixar de ter essa pressão, não só na estrutura de missão Recuperar Portugal, mas em toda uma rede de concretização destes investimentos. Fazem parte 68 entidades públicas que combinaram connosco o timing de execução.

Mantém o objetivo de pagar 8,5% aos beneficiários até ao final do ano?

Sobre a execução do PRR temos de explicar às pessoas que a execução é direcionada por objetivos e resultados que, tendo sido concretizados, são reportados para a Comissão Europeia, para que, a cada semestre, possamos ter uma validação dessa execução. A esta data tivemos uma validação de um primeiro pedido de pagamento, e submetemos um segundo pedido de que vamos ter a avaliação e decisão nos próximos dias.

Esse segundo cheque poderá chegar ainda este ano?

Não conhecemos a avaliação, mas acreditamos que seja positiva. Sendo positiva, conseguimos validar perante a Comissão Europeia 3400 milhões de euros. Equivale a 21% de toda a dotação, isto é, temos 21% dos fundos do PRR comprovados perante a Comissão.

Reconheceu a necessidade de acelerar a transferência das verbas do PRR para as empresas. O que está a falhar neste processo?

O reporte da execução e da boa comprovação dos fundos de investimento é feito pelas 68 entidades contratualizadas connosco. Essas entidades reportam-nos a execução e os pagamentos feitos aos beneficiários finais também, quando nos fazem pedidos para criarmos tesouraria. Há aqui um espaço que poderá demorar algum tempo na transmissão e no registo. Essa recolha é uma prova final da execução, mas vem sempre mais atrás do que a própria execução. A distribuição do dinheiro é o que preocupa as pessoas e acho que é infeliz, porque não interessa distribuir o dinheiro, interessa saber se está a ser aplicado no que contratualizámos. Queremos aplicar uma nova metodologia, uma metodologia de resultados, e a aplicação do dinheiro é uma prova no dia seguinte de que esses resultados foram alcançados.

Quando diz que é infeliz, é na forma como a mensagem está a ser transmitida? Recentemente referiu-se às críticas à lentidão como sendo "discurso do Velho do Restelo", mas os atrasos são sinalizados por entidades como o Conselho das Finanças Públicas ou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República.

É normal que essa leitura seja feita, porque é a leitura corrente nos fundos de coesão. É normal que a comparação seja sempre direcionada pela despesa e distribuição do dinheiro pelos beneficiários finais. Não quero estar aqui a introduzir a questão de ver alguma culpa de entidades ou da comunicação social nesta leitura, o que pretendo é transmitir e alertar para esta nova metodologia de comprovação e de execução totalmente diferente. Uma metodologia baseada na despesa teria de certificá-la e enviar para a Comissão Europeia todas as faturas correspondentes. Estaríamos sempre muito mais atrás, estaríamos nos 8% e não nos 21% de execução. Sabemos que 2022 não foi um ano muito favorável para concretização de investimentos que inicialmente estariam previstos, porque tivemos o Orçamento do Estado aprovado em meados do ano. Houve alguma demora relacionada com lançamento de concursos públicos, que acabou certamente por ter algum desvio na concretização.

A ministra da Presidência assumiu o compromisso de reprogramação. Esse trabalho está avançado?

A reprogramação teria de ser sempre concretizada nesta fase final deste ano ou início do próximo. Desde logo pelo acréscimo que o PRR teve, decorrente de ajustamentos entre os estados-membros que têm como consequência um adicional de cerca de 1600 milhões de euros para o caso de Portugal. Por outro lado, surge neste cenário da guerra na Ucrânia o contexto inflacionista e de crise energética, que introduziu a necessidade de fazer alguns ajustamentos. Essa flexibilidade acabará por estar presente numa alteração do regulamento que está, nesta data, em fase de aprovação e que terá decisão no início do próximo ano. Com base nisto, a Comissão Europeia criou um programa adicional, o REPowerEU, que tem um adicional também de subvenções para os diversos estados-membros. No caso de Portugal, serão aproximadamente 700 milhões de euros introduzidos nesta reprogramação que estamos a preparar. Paralelamente, a Comissão Europeia admite a possibilidade de, com base em circunstâncias objetivas relacionadas com inflação, com a rutura das cadeias de abastecimento, existirem ajustamentos de prazo nas metas e nos marcos.

Qual o total dessas várias vias de reprogramação adicionais?

Esta reprogramação adicional terá cerca de 2300 milhões de euros. Mas quero alertar para o seguinte: a inflação não irá permitir receber mais dinheiro, irá permitir fazer ajustamentos na execução de investimentos. Havendo metas que fixavam determinado valor, podem ser reduzidas quantitativamente para um valor menor ou ser alargado o prazo da sua execução.

Estamos a falar em concreto de obras públicas? No setor da construção ou não necessariamente?

Estamos a falar em todos os investimentos.

Relativamente às datas e às metas, que reajustamento é esse? Pode ser mais preciso?

Reajustamento em termos de tempo e/ou do objetivo fixado para essa meta. Mas sempre tendo de comprovar que este ajustamento decorreu do contexto atual. Por exemplo, situações como o lançamento de um concurso em que não houve apresentação de propostas e, não havendo possibilidade de adjudicação da obra nessa data, seja dado mais tempo para podermos executar o investimento. As entidades que contratualizaram connosco, têm que nos colocar toda a informação e todos os cronogramas de uma forma adequada, para que possamos negociar esta reprogramação, mas sempre com uma visão de concretização dos investimentos limitada a 2026. Não temos possibilidade de alargar o prazo final de concretização do PRR. É uma situação que já foi colocada não só por Portugal, como por outros estados-membros, mas a Comissão Europeia não tem tido uma resposta positiva e continua a manter este prazo.

Mas não é prematuro estar já a dar essa garantia de não haver um alargamento do prazo, dada a incerteza que domina as projeções já em 2023?

Acredito que sim, que o futuro tem uma incerteza cada vez maior, mas nós temos de trabalhar com os dados que atualmente estão em cima da mesa. Temos uma reprogramação financeira para fazer, um alargamento da dotação do PRR, ajustamentos possíveis e as regras que temos são estas, não podemos contar com outras. Portanto, temos de ser muito realistas e ver exatamente quais são os investimentos exequíveis a curto prazo, porque o país necessita desse investimento e não podemos andar sempre a empurrar para o futuro. Obviamente que a incerteza é grande. Não posso é estar aqui a fazer futurologia e, portanto, vamos trabalhar com aquilo que temos agora.

A burocracia tem sido apontada como um entrave à agilização das candidaturas. A alteração do Código dos Contratos Públicos foi insuficiente para eliminar esse excesso de burocracia?

A estrutura de missão não tem responsabilidade direta sobre a operacionalização dos concursos públicos.

Mas é um observador privilegiado em relação à realidade.

Exatamente. Mas não tenho dados comparativos ainda para observar se estas alterações surtiram ou tiveram uma consequência significativa do ponto de vista de aceleração das questões administrativas, que são muito pesadas em termos de transparência. Temos observado um empenhamento grande das entidades públicas com responsabilidade nesta matéria do ponto de vista do controlo, como o Tribunal de Contas.

A falta de flexibilidade que tem sido apontada ao Tribunal de Contas tem contribuído para os atrasos na execução?

Não necessariamente. O planeamento é feito com base nos prazos máximos previstos na legislação. Tenho visto as entidades, quer com responsabilidade de licenciamento ambiental (APA), quer com responsabilidade de fiscalização nos contratos públicos (Tribunal de Contas), a fazer o seu trabalho de forma muito profissional e rigorosa. Estas coisas mais burocráticas e administrativas condicionam o tempo de execução, mas são necessárias para garantir a boa imagem que temos junto da Comissão Europeia relativamente à corrupção e à fraude.

No caso particular do Banco do Fomento, que tem sido identificado como tendo maior atraso nos pagamentos, as causas já estão identificadas? Que medidas corretivas foram tomadas?

Nos pedidos de reembolso relacionados com o Banco de Fomento, os marcos foram concretizados dentro do planeamento estabelecido. Falo deste segundo que está agora em avaliação. O Banco de Fomento tinha dois marcos incluídos nos 20 que apresentámos e foram concretizados atempadamente, para que possamos reportá-los à Comissão Europeia e receber a respetiva decisão. Há alterações no Banco de Fomento certamente motivadas por outras circunstâncias que poderão estabelecer uma nova fase de concretização e de aderência de maior apresentação de candidaturas. Temos no Banco de Fomento um programa para a recapitalização das empresas afetadas pela fragilidade que decorreu da pandemia. Em 2023 já teremos aplicações concretizadas nas empresas que possam demonstrar o trabalho preparatório que foi a implementação de marcos. No final de 2023 temos uma meta importante no Banco de Fomento, que terá de responder sobre a aplicação desse dinheiro, em concreto, nas empresas.

O PRR está a ser gerido, em mais de 80%, por instituições do Estado central e pelo próprio Estado central, ao contrário de outros fundos. Esta opção centralizadora é uma das razões para a lentidão inicial?

Discordo plenamente. A centralização existe, é um princípio que está no modelo de governação e o report à Comissão Europeia é feito por nós. A responsabilidade da execução é feita por entidades públicas, que fazem a sua gestão e selecionam depois os beneficiários finais. Temos uma distribuição maior do que, por exemplo, nos PO regionais, onde temos apenas uma entidade pública a fazer a gestão. Aqui temos 68 entidades públicas a gerir 134 investimentos que temos para executar. Temos CCDR, comunidades intermunicipais e agências públicas que contratualizaram connosco. Portanto, a descentralização existe e o modelo de governação tem este sentido de concentração da gestão e monitorização da Comissão Europeia. Há reports diários e reuniões semanais de acompanhamento de cada marco e de cada meta. Há uma descentralização por 68 entidades públicas que fazem uma rede setorial e geográfica.

Quais são os setores da economia mais permeáveis a atrasos em termos de contratualização?

O setor da construção, sofrendo uma pressão grande de procura, terá de apresentar resultados muito brevemente para conseguirmos ter empresas a concretizar todos estes investimentos. Não só do PRR mas também de outros fundos. É uma questão mais conjuntural do que estrutural, sendo que este é um setor importante para o crescimento do país.

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