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João Duque é economista, professor de gestão e finanças no ISEG, que liderou entre 2009 e 2012, doutorado pela Manchester Business School e lança um olhar sobre os desafios da economia portuguesa neste novo ano.
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Em véspera de eleições, com um plano de recuperação e resiliência (PRR) e um Portugal 2030 à porta, que balanço faz de 2021?
Foi um ano já muito melhor do que 2020 - e já o esperava, porque o ser humano tem grande resiliência e aprende depressa... nomeadamente o que antecipei até, que era aprendermos a viver com isto (com máscaras, a lavar mais as mãos, mais afastados, mas criando soluções geniais, que nem passavam pela cabeça). E surgiu algo mais importante, a vacina, um progresso espantoso de cooperação global que permitiu encontrar alternativas para atacar o problema. Antecipava há um ano que melhoraríamos e assim tem sido, apesar das ondas, aprendendo e cada vez melhor. Acabámos de saber que não precisamos de estar tanto tempo em casa - voltamos a atividade económica, a deslocar-nos, a mais consumo, etc., portanto 2021 fechou com crescimento, abaixo do que gostaríamos, de repor o nível de 2019, mas já com alguma recuperação depois do pior ano de que há registo, que foi 2020. Não se imagina que medidas fáceis se pode tomar perante cataclismos, em 1755 ninguém imaginava que havia planos para tudo e em 1756 Lisboa estava igual a 1754. Foi um ano de transição para este 2022 que espero que vá seguir este progresso, chegando finalmente no fim do ano ao nível de 2019 e já a fazer alguma coisa diferente.
O Banco de Portugal e a OCDE estão em sintonia quanto às previsões de crescimento de 5,8% do PIB para 2022, mas o FMI é mais moderado, fica-se pelos 5,1, e a Comissão Europeia aponta para entre 4,5% e 5,3%. Qual é para si o mais realista?
A minha previsão é 5,1% - no intervalo de 4,8% a 5,4%.
É suficiente?
Não, mas não posso imaginar que um carro acelere a fundo e dispare para os 300 km/hora se não dá mais de 180 km/hora. Com a capacidade instalada que temos, o investimento que temos, é o possível. O desafio - e temos uma excelente oportunidade - é voltar a discutir e sermos consequentes em relação ao voto. Votar em soluções político-económicas que possam levar-nos a aspirar sermos um país onde, para além de se viver bem, seja bom trabalhar e ser remunerado.
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João Manuel Duque
© Gerardo Santos/Global Imagens
E que solução seria essa?
Em primeiro lugar, temos de mudar a estrutura da economia portuguesa; se voltarmos ao que tínhamos em 2019, isso não dá garantias de conseguirmos crescer assentes em pilares de sustentabilidade, boa remuneração, dos fatores, nomeadamente, do trabalho, do conhecimento, ou de que há retenção de talento e que temos muito valor acrescentado por unidade produzida.
Até porque 2022 é um mundo diferente do de 2019. Que solução política podia acomodar isso?
A maioria dos portugueses centra a escolha num espaço democrático, de economia de mercado, onde a iniciativa privada tem um papel muito importante - tirando os setores da justiça, da segurança... Na educação há excelentes exemplos privados que têm dado frutos, logo não é necessário acabar com isso; talvez tentemos fazer no público o que se consegue nos grandes modelos privados. Na saúde também há espaço para compatibilizar os dois sistemas e usar, em caso de incapacidade de resposta do público, o privado, sem que este sobreviva à custa do público. Mas a atividade económica tem de ser orientada para produtividade e valor acrescentado. Porque temos um problema a encarar, além de trabalharmos dentro de um mundo com recursos escassos: não podemos destruir os recursos totalmente, sob pena de não conseguirmos viver e perpetuar a espécie humana na terra. Mas além disso, Portugal tem um muito grave problema demográfico. Já se fala, mas temos de ser muito consequentes. O que vamos fazer? É que daqui a 20 anos, quando tivermos um desequilíbrio brutal entre os mais idosos - que vão exigir muito mais gastos com saúde, as suas pensões pagas e com muito menos pessoas a trabalhar, para os sustentar vamos ter um problema. Das duas, uma: ou os mais jovens vão pagar praticamente o salário todo em impostos para aguentar o Estado e os compromissos, a que acresce uma dívida pública que tem de ser gerida e paga, ou esta geração é muito produtiva e consegue gerar rendimentos através de uma estrutura fiscal não exagerada e muito diferente do que têm os países para onde pode deslocar-se ou não é compatível. E se não for, ou as pessoas fazem as malas e vão resolver a vida para outra parte ou vão recusar pagar - aparecerá um partido que propõe cortar e ganha eleições ou ganha outro que represente os aposentados, muito mais, que partirá a sociedade ao meio.

João Manuel Duque
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Mas não existe já essa divisão? O centrão é essencial?
Se estas alternativas não saírem do centro, vão sair dos extremos. E acredito que os portugueses já o entenderam e vão escolher na base de votar para o primeiro-ministro ou para escolher um representante que fará parte da solução, mesmo que de um partido mais pequeno. Nós vivemos num país extraordinário, portanto temos de selecionar bem quem será o gestor do condomínio, as pessoas que o tratem bem, seja bonito, bom, onde as pessoas sejam remuneradas adequadamente. Porque se sairmos e virmos os outros passar-nos, a ganhar mais, ter melhores condições... No centro da Europa vê-se o dinamismo do crescimento, vê-se na rua a pujança, a construção, o volume de transporte pesado nas estradas, a dimensão dos comboios, sintomas de crescimento. Os números mostram que não estamos a crescer, aproximámo-nos, mas os países periféricos que se reestruturaram reinvestem, nomeadamente em infraestrutura que permita o crescimento das empresas, tem sido evidente. E não tenho dúvidas de que os portugueses vão fazê-lo e o Parlamento vai ficar melhor.
E como pode o Governo criar condições para atrair talento jovem?
Em primeiro lugar, focando-se no que é vital para esse tipo de talento jovem e educado: um certo estilo de vida, mas também a questão fiscal. Não podemos tributar em excesso a população da classe média. É um erro. E o investimento deve ser tratado e avaliado do ponto de vista da produtividade. Quando o Estado tenta estimular a economia através do PRR, tem medidas que promovem a produtividade, mas nunca é explícito como os investimentos são escolhidos em função do aumento da produtividade. Não sendo assim, é difícil perceber porque é que um computador na empresa A é diferente de na empresa B. É preciso isso ser um critério de seleção. E na remuneração o mesmo, além do SMN há muito mais vida, mas o que assistimos sempre no OE é a essa discussão. Eu gostava que não tivéssemos de o discutir, há empresas que não se preocupam nada com o SMN, mas, sim, em reter talento - que não é remunerado ao SMN. Portanto, a questão fiscal é fundamental, como os apoios à família. E sermos consequentes: se há um estilo de vida dos millennials que pode ser fora das grandes cidades, se temos capacidade hoje para as pessoas trabalharem nesses lugares, porque não há estímulos para que as empresas deslocalizem postos para zonas não urbanas das grandes cidades? Temos de pensar de maneira diferente ou ficamos no discurso aparentemente bonito mas sem consequências.
Esta semana o governo anunciou que a meta de execução de fundos europeus em 2021 foi atingida a duas semanas do fim do ano, concedendo assim a Portugal o segundo melhor ano, depois de 2012, no que toca ao aproveitamento dos apoios de Bruxelas... E agora? Com este cenário de exportações, que têm sido a estrela, o que se perspetiva?
Temos tido capacidade de investir com o que temos disponível, mas, na relação de Portugal com a UE e a Europa, estamos inseridos num espaço económico, a desenvolver um papel que não é significativo - valemos 2,5% do PIB europeu - mas temos conseguido ser resilientes e capazes de aumentar até quota nas exportações. Os nossos empresários têm conseguido pela afirmação da qualidade manter esse desígnio. Lembro-me de Manuela Ferreira Leite, quando era ministra, dizer que desejava ver Portugal com 35% do PIB em exportações... onde é que isso já vai! E ainda temos espaço para continuar. Isso significa que as exportadoras devem fazê-lo orientadas para o que deve ser feito, mas como estão em concorrência, ou aprendem ou perecem. Mas também aqui as políticas públicas podem ajudar e estimular as empresas. Por exemplo, não hostilizando a dimensão das empresas. As empresas grandes são as que melhor promovem o investimento, o emprego, que melhor pagam e mais condições dão aos trabalhadores, e que mais impostos pagam.
As grandes empresas são hostilizadas em Portugal?
Politicamente, são, constantemente. E fiscalmente ainda pagam sobretaxa. Depois admiram-se que elas andem à procura de grandes casas de advogados para fazer uma gestão fiscal agressiva... se for dentro do quadro legal, claro que vão tentar minimizar a enorme fatura de impostos. O estímulo às empresas e criação de marcas é também uma forma de ajudarmos a afirmar o tecido empresarial. Por exemplo, o futebol: um treinador português ter sucesso no Brasil abre portas a outros irem e também com sucesso, mas também a jogadores e começa a criar-se a ideia de que temos imenso conhecimento em futebol. Ou seja, quando criamos marca, ficamos com lastro, por ter determinada origem, as pessoas associam a capacidade. A Alemanha é percebida como produtora de maquinaria boa e isso ganha-se através de uma política sistemática de produtos e criação de marcas. E nós não temos marca. A marca é um dos aspetos mais relevantes na captação de valor por unidade vendida. Um par de sapatos de borracha não custa a fazer os 100 euros por que é vendido, a diferença do preço de custo e venda é uma margem brutal e uma parte significativa é marca, que as pessoas estão disponíveis para pagar. Isso é valor acrescentado capturado pelos países que as produzem. Se virem a lista das 500 maiores marcas do mundo, não há portuguesas, mas há várias suíças, holandesas e de outros da nossa dimensão.

João Manuel Duque
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E não tem que ver com a qualidade que temos.
Porque temos, mas não nos conseguimos afirmar como marca, logo não conseguimos vender caro e capturar valor, exceto em certos segmentos - um de vinhos, por exemplo, agora no calçado e porque uma das marcas portuguesas mais conhecidas não era portuguesa e foi comprada por um industrial da área que percebeu a falha nos sapatos, para poder projetar-se. E assim vamos conseguindo, deixámos de lado a concorrência com a China e temos um par de sapatos que se vende acima do preço de custo porque as pessoas estão disponíveis para pagar o estilo, o design, a marca.
Hoje lidamos com um fator extra na concorrência: os objetivos de descarbonização. A Europa pode continuar a ignorar que países como a Índia e a China, grandes poluentes, concorram em igualdade com os europeus?
Não pode. A China representa mais de 25% da quota de gases com efeito de estufa. Nós fechámos a última central a carvão para produção de energia elétrica, enquanto os chineses estão a inaugurar, nos próximos anos, mais de 50 novas centrais a carvão. O nosso contributo para a poluição mundial é ridículo, não pesamos nada. Todos juntos temos de fazer o esforço, mas em que medida é sensato entrarmos sozinhos num caminho que sei que tem de ser percorrido mas tem de o ser por todos ao mesmo tempo. E se aspiramos a que a Europa seja um exemplo e lidere o processo, podemos fazê-lo, devemos até, mas temos de criar proteção às empresas europeias - e portuguesas. Porque com este Green Deal, a transformação que temos de fazer é cara e desconfortável. É muito mais fácil pegar no carro do que usar o transporte público. Mas é o contributo que temos de dar. As alterações que vemos em função de tantos testemunhos de cientistas reputados fazem lembrar o filme "Don't Look Up": temos de fazer algo e, se o fizermos já, podemos travar as consequências, mas ver a China ter este comportamento e adiar medidas desconfortáveis exige que os responsáveis europeus, com atitude sensata e não hostil, tenham algum cuidado na defesa do seu património. Se as empresas europeias num mercado muito aberto competirem com custos de energia chineses e indianos baratíssimos, mas cujas emissões afetam todos, estamos a pagar para outros fazerem acumulação de valor e nós ficarmos com lixo. Algo tem de se fazer.
Impor taxas?
Sim, ou quotas. Mas é preferível impor taxas de equilíbrio.
Ainda sobre riscos destes tempos, o BCE manterá estímulos às economias apesar da inflação ou é de esperar que os juros comecem a subir já neste ano?
Vem aí a subida. A energia está cara e isso está ligado à alteração de paradigma da sua captação e distribuição, logo não vamos voltar atrás, estas alterações vão impactar o preço da energia na Europa. Se conseguirmos mitigar estes impactos, estaremos a proteger o crescimento dos preços e a inflação, mas temo que não se consiga, porque há várias fontes de energia que são importadas e muito significativas na Europa, nomeadamente gás e petróleo. Com problemas acrescidos: do ponto de vista da pegada ecológica, o petróleo é mau exemplo e, se exigimos a redução dessa fonte sem compensação direta noutra, haverá problemas e o preço sobe. O gás está muito ligado a outra questão: a relação geopolítica com a Rússia e o Norte de África. Nós estamos muito dependentes e, se eu não conseguir arranjar formas alternativas de preencher as necessidades energéticas na Europa, os preços vão continuar a subir. Portanto, a inflação será neste ano um dado adquirido. E o BCE terá de ir atrás - já o anunciou e isso terá consequências no preço do dinheiro, ou seja, nas taxas de juro, que vão aumentar ao longo do ano. Hoje fala-se de redução da compra de dívida dos Estados - que é de maturidade longa, logo as taxas de longo prazo vão provavelmente subir e isso põe em causa a atratividade do investimento. Portanto, 2022 vai começar a traumatizar o investimento - não só público mas depois privado, porque o financiamento vai encarecer. Que alternativa pode ser uma solução para as empresas? A banca também terá de discriminar em função dos objetivos de ODS, discriminando positivamente empresas, indústrias e serviços que tenham componente de maior acomodação dos objetivos. O dinheiro pode não encarecer para todos mas, nesse caso, vai subir muito mais para os mais poluentes.
E reflete-se no consumidor.
Seguramente. Uma petrolífera que vê aumentar o custo matéria-prima e o custo do financiamento vai subir significativamente preços. Mas é a forma de forçar as escolhas, ou as pessoas pagam para poluir ou pagam menos se optarem por menos poluentes. Nós não temos grande expressão aí, ainda que o nosso turismo seja fonte de poluição, porque muito dele vem de avião.
Ou de cruzeiros...
Sim, com uma pegada ecológica significativa e não estamos ligados ao centro da Europa por via-férrea de alta velocidade. Estamos aí atrasadíssimos e com o erro enorme de não estarmos já a fazer linhas de raiz em bitola europeia, que permitiriam rápido acesso de modo concorrencial a pelo menos um ou dois pontos do país. Já perdemos dez anos e agora está a fazer-se em via dupla, para permitir que se faça a mudança, mas temos é de ligar o país ao centro da Europa depressa porque voos com menos de 600 km de distância vão deixar de ser tolerados.
E o PRR pode ajudar?
Podia, se houvesse a visão de orientar as escolhas ferroviárias para a bitola europeia. Muitos dirão que não é problema porque os novos comboios podem andar nas duas vias, mas muitos operadores não têm comboios desses e não os vão comprar só para chegar a Portugal. Se queremos pôr os transportes portugueses com preços em linha com a Europa e facilitar acesso de estrangeiros, devíamos ter bitola europeia e não ibérica.
Boa parte do emprego mantido em crise sustentou-se com contratações para valores históricos na função pública. É sustentável este aumento de despesa permanente nos salários pagos pelo Estado? E faz sentido num contexto de digitalização dos serviços?
É uma conta que vamos pagar. A SEDES fez uma proposta de tentar que a despesa corrente primária do Estado não passasse os 35% do PIB. Estamos nos 45%. Era um esforço que devíamos fazer para convergir para esse valor a 20 anos, significava baixar meio por cento ao ano. A minha preocupação é se esses funcionários estão adequados às necessidades do Estado.
E neste processo de digitalização faz sentido mantê-los?
Tenho dúvidas de que seja necessário. Há setores em que se percebe que há escassez, outros em que se vê que reagem por necessidades de ponta - o caso da saúde, por exemplo -, mas em vínculo permanente, se calhar, não precisamos de ter capacidade instalada para servir tanta gente ao mesmo tempo. O crescimento que vemos no emprego público estará a ser provocado por uma necessidade especifica da saúde, mas que espero que seja superada e revista e que as pessoas sejam redirecionadas para as áreas necessárias.
E no emprego privado?
O que vejo é que alguns setores até estão com dificuldade em captar pessoas com determinadas qualificações e isso é sintoma grave, porque não temos jovens em número suficiente para lançar no mercado, visto que a pirâmide demográfica está invertida. O setor privado normalmente atua de forma fria, mas reagindo aos estímulos, não contratam por moda ou porque o Governo vai fazer um investimento mas porque precisam das pessoas. No turismo há escassez de mão-de-obra qualificada, porque se deixou de acreditar que o setor tem estabilidade para garantir às famílias rendimentos adequados e elas preferem ganhar menos mas onde têm mais segurança. Em cima disso temos a questão demográfica: só temos uma via se queremos localizar aqui emprego, é ir buscar jovens, uma política de imigração efetiva, simpática e acolhedora para quem venha com essas qualificações. Portugal precisa de imigrantes e tem de os receber bem.