Depois da pandemia, a invasão da Ucrânia pela Rússia volta a trazer incerteza também para o turismo, assim lamenta o CEO do Pestana Hotel Group, numa altura em que empresa decidiu aumentar a remuneração mínima dos colaboradores para 750 euros, acima do salário mínimo nacional e em que já recrutou 50% dos 800 colaboradores que precisa para enfrentar o próximo Verão, admitindo que pode dar trabalho a refugiados ucranianos.
José Theotónio avança ainda o regresso a resultados positivos, graças a peso do imobiliário no grupo, que já chega a 30%. Lamenta entraves a vistos CPLP que travaram recrutamento de pessoas. Quer uma solução rápida para TAP "voltar a voar" e afirma que será uma vergonha nacional, se o novo aeroporto não se concretizar.
Nas próximas semanas espera receber a gestão do novo hotel de Marraquexe da marca CR7, depois de iniciar o ano já com a abertura das novas unidades de Madrid e Nova Iorque.
José Theotónio, 56 anos, licenciado em Administração e Gestão de Empresas, pela universidade Católica portuguesa, onde lecionou 13 anos. Começou a carreira nas empresas antes de virar o século, tendo passado por grupos como a Nutrinveste e a Lanidor, e ainda antes desempenhou funções políticas nas secretarias de Estado das Finanças do Turismo, tendo administrado o Fundo de Turismo durante cinco anos. Em 2000 chegou ao Grupo Pestana como administrador financeiro e é desde março de 2015 o CEO do Pestana Hotel Group.
Dezenas de turistas ucranianos receberam apoio na Madeira num dos vossos hotéis (36, de um total de 70 ainda na ilha) e 200 russos já terão regressado a Moscovo. Como está a olhar para o conflito da Rússia na Ucrânia e que impacto espera que a atual situação possa ter no turismo?
Uma guerra é sempre uma tragédia e vai ter impactos em toda a economia. No que pode afetar Portugal, depende muito da dimensão que venha a ter. Já vimos em anteriores conflitos que quando as guerras são mais a Oriente isso afeta mais os destinos dessa região, mas é mais um fator de incerteza que vem perturbar o que eram as previsões de recuperação da atividade turística. Por pouco que possa afetar os destinos ocidentais - Grécia, Itália, Espanha e Portugal - uma guerra é sempre fator de grande incerteza.
E Portugal pode ser refúgio dos turistas do mar negro?
Não propriamente do Mar Negro, que esses são os russos, mas dos países de origem que nos escolhem, como ingleses e alemães. O mercado vai reduzir-se, mas se se concentrar nestes destinos talvez não haja tanto impacto quanto se espera.
Teme que possa ser descurada a comunicação junto de novos potenciais mercados emissores?
O turismo já mostrou ser muito resiliente. Estes dois anos de pandemia, com o setor fechado muitas vezes, mostrou-o: cada vez que havia uma abertura, havia mercado. Não como no boom de 2017-2019, mas havia. Ou seja, o turismo já não é um produto de luxo, entrou no nosso dia-a-dia. E as empresas têm de estar prontas a reagir rápido e saber gerir em clima de incerteza - mas quem geriu nestes dois anos tirou um MBA nisso.
Fazia falta mais apoios ao turismo neste ano?
Os apoios foram muito importantes logo no início, em março de 2020, quando surgiu o lay-off simplificado, foram ágeis e rápidos, fundamentais para manter postos de trabalho. A partir daí, face à dimensão da crise, já não foram tão expressivos. Mas o problema dos apoios foi outro: nós éramos uma grande empresa e não tínhamos acesso aos mais significativos, mas para ir aos que podíamos tivemos de manter equipas, nomeadamente de RH e financeira, a trabalhar a 100% para dar resposta. Isto para empresas mais pequenas, com as regras criadas, deve ter sido uma dificuldade. Se o mercado recuperar, algumas empresas mais afetadas, que não conseguiram ir aos apoios ou estavam mais débeis, continuarão a ter dificuldades.
E seria útil terem mais apoios?
Precisariam, sim. Nós, se o mercado recuperar como esperamos a partir de março, e com mais expressão em abril, não precisaremos, mas não somos nós o modelo do setor. Nós não estamos na média e entendemos que outras empresas, mais pequenas, terão dificuldades. Outra questão ainda que se devia comparar era os apoios em Portugal e Espanha - que foram parecidos - com os da Alemanha, Holanda, Reino Unido ou até EUA com Biden (com Trump eram apoios diretos às pessoas). A dimensão destes foi muitíssimo maior. E se isso, na fase em que estávamos todos fechados, não teve grande impacto, quando se volta ao mercado e se traz dois anos de dificuldade e estamos todos a competir... as empresas desses países vão sair da crise e entrar na recuperação com muito mais armas do que as portuguesas.
Como é que o grupo Pestana acabou por fechar em 2021?
Estamos a fechar as contas - são 16 países para consolidar, muitos câmbios, ainda deve demorar umas duas semanas -, mas o que esperamos é, ainda que longe dos anos dourados, pelo menos um resultado que já não seja negativo. O ano passado foi o primeiro em 40 com resultado negativo. Hoje já temos indicações de que o resultado será pequeno, mas positivo. Dá ânimo.
E na parte imobiliária?
O ecoresort em Troia foi a nossa boia de salvação em 2020: de maio a novembro conseguimos vender o que esperávamos vender em três anos. Esgotámos e não temos nada para vender. Foi o que nos salvou o ano, porque ainda conseguimos ter EBITDA positivo - o que permite pagar contas e salvar compromissos - e agora continua a correr bem. Em 2021 já não com Troia, mas com outros: Comporta, Brejos, na Carregueira, agora em Porto Covo, o dos Açores, que terminou no ano passado, e a Madeira, com a compra do Madeira Palácio e Residence em maio - vendemos o que estava feito até dezembro. Portanto, o imobiliário ainda correu melhor, o que ajudou muito nestes resultados de 2021, ainda que a hotelaria também já seja agora positiva.
Vê bem encaminhada a pretensão de duplicar o peso do imobiliário no volume de negócios do grupo (eram 10% antes da pandemia) até 2023?
Vejo sim. As pessoas que trabalham esta área têm feito um excelente trabalho e neste ano já temos 30%.
Já foi além?
Sim, porque a hotelaria está em baixo - quando subir reduzirá um pouco o peso -, mas criou-se as bases para representar os tais 20% a 25% que são nosso objetivo no total do grupo. Foi uma oportunidade que conseguimos aproveitar.
Falou na Comporta, havia mais dois projetos previstos para o Algarve, que no final do ano passado aguardavam aprovação...
Um deles já avançou e está em construção, o Valley, na zona do Carvoeiro - é mais pequeno, mas estamos já com 40% vendido ainda sem as casas prontas. O grande projeto é Ferragudo, que aguarda aprovação final. E ainda há Silves, que estamos a desenvolver mais lentamente mas está a evoluir.
A nível internacional já está em 16 países com mais de uma centena de hotéis. O que está nos planos para abrir em 2022?
Em 2019 tínhamos um pipeline muito grande de hotéis para abrir em 2020 e 2021. Não deixámos cair nenhum; todos terminaram e o último, o Pestana Douro, que está terminado há um ano, vai abrir provavelmente entre fim deste mês e abril. No segundo semestre do ano passado abrimos os outros todos. Claro que não procurámos grande coisa nestes dois anos, mas recomeçámos agora a procurar. E temos outro projeto que depende do investidor - nós só fazemos a gestão -, que é o Pestana CR7 em Marraquexe, que deve abrir num par de semanas, quando nos entregarem o hotel. Lançámos mais alguns projetos, incluindo dois em Lisboa, mas que só estarão prontos em 2023.
Com a marca CR7 havia também Nova Iorque.
Sim, agora é o grande desafio dessa marca. Até 2019, eram dois, Madeira e Lisboa, onde Pestana e Ronaldo eram bem conhecidos e não havia grande dificuldade em impor-se no mercado. Os Pestana CR7 Nova Iorque, em Times Square, e Madrid serão o teste. São locais onde o Pestana não existia e vamos ver se esta combinação tem mercado. Nova Iorque e Madrid abriram no segundo semestre e têm feito caminho. O mercado não está muito pujante, mas têm-se imposto com grande aceitação. Mais Madrid, porque Nova Iorque é mais corporativo...
Até ao final do ano, o Pestana espera alcançar 5500 pessoas, das quais 80% em Portugal, estimando já a partir de março uma necessidade de mais 800 profissionais. Está a ser difícil recrutar?
Não está fácil, mas estamos a recrutar, estamos a meio do contingente. Tivemos a grande vantagem de muito poucos operacionais terem saído do grupo - ao contrário das áreas de serviços partilhados, IT e digital, em que saiu muita gente porque o setor do turismo, que era o da moda, deixou de ser atrativo e as pessoas trataram da sua vida e foram fazer outra coisa, mudaram de ramo. Mas não nos operacionais. E conseguimo-lo porque lutámos para que praticamente ninguém tivesse perda de rendimentos, mesmo nos lay-offs fazíamos compensação no final do ano, e as pessoas reconheceram isso. O que precisamos agora é o que precisamos todos os anos: para a época alta, hotéis que até estiveram fechados e reabrem agora, por exemplo no Porto Santo e Algarve (onde quase duplica o número de camas). Temos 400 pessoas recrutadas.
Mas está difícil?
Sim, dependendo das áreas. Nas de chefia não temos grande dificuldade. No que é mais de backoffice também conseguimos repor - IT e financeiros têm mais concorrência de empresas de todas as áreas... o staff base, de início de carreira, é que é mais difícil.
Em que destinos espera conseguir novos colaboradores?
Estamos sobretudo no mercado nacional, mas tendo presença em vários países fizemos tentativas fora. É uma das nossas vantagens em relação a quem só está cá: conseguimos muita mobilidade, até para portugueses que queiram ir conhecer outras culturas e geografias - África, Américas, Europa. Tentámos contratar de países onde estamos, como Cabo Verde, onde temos um protocolo com a escola hoteleira e quisemos trazer pessoas para fazer um estágio curricular - viriam três ou quatro meses, acompanhados, com rendimento e alojamento providenciado por nós, e depois voltariam para terminar o curso. Mas a carga burocrática para conseguir os vistos, embaixadas, consulados, SEF... foi muito complicado.
Os vistos para países da CPLP que Portugal acordou não ajudaram?
Era por aí que queríamos ir. O acordo está feito, foi-nos anunciado, fomos a reuniões para pôr isto de pé, mas às vezes parece que o governo não é só um... há alguns departamentos que querem agilizar os processos burocráticos e outros que põem grandes dificuldades. Tínhamos colaboradores nossos identificados que poderiam vir e o acordo com escolas hoteleiras. Mas estamos prestes a desistir.
E os refugiados ucranianos poderão ter aqui lugar?
Nós trabalhamos há muito com as entidades que apoiam refugiados, temos protocolos com eles, com os jesuítas - não legalizamos pessoas, mas eles sabem que se lá chegarem pessoas legalizadas e que queiram trabalhar em hotelaria temos oportunidades. Temos já vários ucranianos connosco, há muitos anos, na Madeira, em Lisboa, em Londres, portanto com a plataforma criada pelo governo e a da câmara de Lisboa fomos dos primeiros aderentes. Os ucranianos que temos connosco são todos bons trabalhadores - e temos também alguns russos e também o são. Mas não esperamos que seja por aí que se resolvam os nossos problemas.
O grupo anunciou em janeiro que ia retomar a política de remuneração mínima, fixando um salário mínimo de entrada de 750 euros, acima do SMN, a que se juntam subsídio de alimentação, seguro, programas de formação e mobilidade... É suficiente para reter mão-de-obra num setor que precisa de 15 mil pessoas?
A oferta tem de ser muito mais do que a remuneração, temos de dar esta perspetiva de desenvolvimento às pessoas, de que podem crescer pessoal e profissionalmente. E o turismo tem essa vantagem, permite contacto com múltiplas culturas, religiões, línguas, maneiras de ser. E ajuda a desenvolverem-se. A questão da remuneração mínima foi retomada depois de suspensa pela gestão de sobrevivência da pandemia, mas o conjunto de pessoas abrangido no grupo é inferior a 3%. Muita gente não está nesse patamar, felizmente, mas isso tem também impacto nos salário seguinteS: não podem ficar todos nivelados, por isso tem também impacto nos salários dos outros patamares.
É mais difícil ou mais fácil recrutar de acordo com o sítio - para a Madeira, por exemplo?
No Funchal é relativamente fácil, o grupo é bem conhecido e tem um quadro muito estabilizado, tem famílias que começam e acabam de trabalhar no grupo, marido, mulher, filhos, o pai é reformado de lá... mais difícil é no Algarve, porque antes havia profissionais de outras regiões disponíveis, mas com o crescimento da atividade turística no Norte e Centro, com menor sazonalidade, há menos pessoas disponíveis. Em Lisboa também há muita concorrência, andamos todos a roubar uns aos outros.
Qual é o plano traçado a nível de formação? Quanto é que estima investir - fala-se 1,2 milhões de euros - na Pestana Academy?
A Academy é algo em que temos vindo a trabalhar porque as formações não estavam sistematizadas. Fizemo-lo há dois anos para isso e com isso percebeu-se as lacunas que havia e como podíamos trabalhar para melhorar a oferta de formação aos colaboradores. O orçamento são esses 1,2 milhões, mas há muita formação não contabilizada aqui, que tem grande valor para o desenvolvimento das pessoas - dos chefs às equipas, muito on job... estas mobilidades em que passam três meses num ambiente diferente, país ou tipo de hotel. Todos esses programas não são contabilizados, mas mostram o valor da formação no grupo.
E ao nível de governance, vai manter-se o modelo híbrido de trabalho, ou o regresso integral ao trabalho presencial?
Às vezes tenho a sensação de estar a gerir duas empresas. Porque os nossos profissionais não podem trabalhar de forma remota - receção, cozinha, mesa, bar, é atendimento ao cliente, têm de estar a 100%. Por outro lado, há que encontrar equilíbrio para os serviços partilhados e backoffice e aí, onde é possível, as pessoas trabalharem 80% no escritório e 20% fora, há flexibilidade, em que o limite é 50%-50%. Mas a maioria prefere estar, ainda que haja flexibilidade.
Quantas camas têm nesta altura?
À volta de 27 mil, 80% em Portugal.
Já vivíamos um enquadramento de inflação e de preços da energia a disparar. Agora, tudo piorou. O grupo está a adotar projetos na área da sustentabilidade, nomeadamente na autogeração para poupar na fatura energética?
Temos feito grande trabalho a esse nível, investimos 7 milhões de euros em cinco anos para mudar a nossa eficiência energética - tínhamos hotéis muito antigos e que usavam fontes de energia muito poluidoras e começámos por esses. Temos vindo a fazer muito fotovoltaico e estamos a medir a pegada carbónica e os resultados preliminares apontam para que estejamos a 60% da média do setor - 40% abaixo. Somos considerados, nos parâmetros internacionais, como baixos poluidores. O que nos importa aqui é mais definir o plano de ação para o futuro, para reduzir o impacto do que fazemos. Mas fizemos coisas notáveis. Fizemos campanhas internas com todo o grupo: em fevereiro de 2019, definimos uma meta de redução do plástico de uso único nas unidades para 50% em 18 meses; quando medimos em novembro, a meio do tempo, tínhamos já conseguido reduzir 60%, porque todas as pessoas se empenharam, tiveram ideias, implementaram.
E está prevista nesta época de seca alguma medida de poupança de água?
Nós temos dessalinizadoras no Porto Santo e no Algarve - algumas não trabalham porque o custo é mais caro do que a água, mas pode vir a ser a solução. É o que fazemos também em Cabo Verde. E temos projetos no golfe em que usamos águas residuais.
O que espera do novo governo que tomará posse no final do mês? Pode a maioria absoluta trazer enfim o arranque do novo aeroporto?
Espero bem que sim. O não arranque do novo aeroporto é uma vergonha nacional. Lisboa já ficou quase barrada naqueles anos pré-pandemia e isso voltará assim que isto reabrir um pouco. E o novo aeroporto, segundo os especialistas, nunca se fará em menos de cinco anos se for no Montijo e em menos de dez em Alcochete. Portanto quanto mais rápida a decisão melhor será para todas as atividades económicas - não é só para o turismo. Não se percebe como temos adiado essa decisão em termos nacionais. Espero que num governo com maioria absoluta e que não tem de negociar Orçamentos do Estado com partidos que na sua matriz não defendem uma maior flexibilidade nos diferentes mercados - e isso tem impacto em termos económicos - haja uma direção mais correta para o desenvolvimento da atividade económica.
E como vê os planos para a TAP?
Eu gostava era de ver os aviões no ar. Se em termos turísticos a TAP não tem grande impacto no Algarve ou no Porto, para Lisboa e para a Madeira é bastante importante. Nestes seis meses, havia clientes a querer ir para a Madeira e a TAP tinha reduzido as frequências para três diárias e com custos altíssimos, e isso teve impacto no que poderia ter sido a recuperação ali. Portanto gostava era de ver os aviões no ar, nesta solução ou noutra.
Que seria o quê?
Quando vejo o que esta vai custar, assusta-me um pouco, porque no fim sabemos quem é que paga: os impostos, e quem os paga somos nós. A TAP é muito importante também para o mercado brasileiro e o americano, muito relevantes para o turismo nas cidades, foi a TAP que abriu esses mercados. Mas quando o mercado existe, se houver concorrência e condições, a oferta aparece.